Marx e a divisão social do trabalho, uma resposta atual
Por Daniel Rodrigues
Introdução:
Este trabalho é parte de uma análise crítica no que tange à formação da força de trabalho, na
atualidade. Trata-se do que denominamos do ‘fetiche das competências’. Para fundamentar tal tese,
buscamos em alguns clássicos, como Smith, Durkheim e Marx, entender qual a contribuição que os
mesmos apontam para a compreensão da presente realidade em um dos pilares da formação, a divisão
social do trabalho. Pelo limite do espaço apresentaremos somente alguns elementos a partir de Karl
Marx.
Na construção teórica desse modelo hegemônico para formação da força de trabalho, um dos
pressupostos chave é a diminuição da importância do entendimento de uma sociedade dividida em
classes. Os autores da ordem apontam a existência de um processo de diminuição da divisão social do
trabalho fruto de dois grandes fatos motivadores: primeiro, o trabalho não é mais central na
organização societária; segundo, o mesmo foi substituído pela compreensão de uma nova centralidade,
a da sociedade do conhecimento ou da própria tecnologia que o encarna. Portanto, o que se deve
construir enquanto categoria explicativa da realidade são os serviços, não mais o trabalho e sua
divisão, e sim essa nova unidade existente na realidade, que expressa o modelo das competências.
Conseqüentemente, o modelo de formação por competências, apresenta-se como substituidor
da divisão do trabalho (ZARIFIAN, 2001), por desenvolver integralmente o sujeito - o associado ou
colaborador, não mais dito como trabalhador - que presta algum serviço que se incluiu
harmonicamente no sistema de produção. Assim é posto, ou proposto, um novo perfil da força de
trabalho que reconstrói uma ‘nova unidade’ no processo produtivo: “a exigência de novas
características das pessoas não como funcionários, mas como parceiros da empresa
(CHIAVENATO, 2002, p.34).”
Diante dessa nova compreensão sobre o processo do desaparecimento da divisão do trabalho,
bem como das relações contraditórias entre as classes fundamentais do capitalismo, fomos resgatar em
Marx os fundamentos dessa categoria em desprestígio e recolocá-la diante dessas novas teorias pós-modernas. No caso, o presente trabalho, além de retomar a questão da importância da divisão
social do trabalho, atualmente, rechaça a idéia de que essa divisão está colocada somente no
entendimento do campo do desenvolvimento das forças produtivas, enquanto um problema técnico.
Defendemos que, a partir de Marx, o entendimento da divisão do trabalho está inserida na própria
contradição do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção dominantes.
Marx e a amplitude da divisão social do trabalho
Mesmo partindo de Adam Smith e de outros economistas burgueses, Marx realiza uma crítica
à limitação histórica e conseqüentemente teórica desses estudiosos. Marx vai contrapor-se apontando
às relações contraditórias existentes entre as classes. Ele ressalta que esse ‘não embate’ é colocado
pela própria apreensão da realidade da época, de uma luta de classes incipiente e do próprio ‘locus’
burguês em que se encontravam esses teóricos. Marx não só se localiza no século XIX, com a grande
indústria, com um capitalismo a todo vapor, mas numa época de revoluções. Seu vigor teórico,
demonstrado pela atualidade de sua análise, mantém-se firme em defesa da transformação
revolucionária da sociedade burguesa, opondo-se à ideologia dominante. Defende a ciência sob a
lógica materialista dialética, em que a história é movida pelos homens, pela luta entre as classes, e que
não basta entendê-la: é necessário agir para sua transformação e abolição da dominação classista
1 IV Conferencia Internacional "La obra de Carlos Marx y los desafíos del siglo XXI"
existente. É dentro dessa lógica que Marx supera Smith e os outros teóricos burgueses.
O Dicionário do Pensamento Marxista de Bottomore, traz uma leitura sobre a divisão social do
trabalho nos textos de Marx, colocada da seguinte maneira:
Primeiro, há a divisão social do trabalho, entendida como o sistema complexo de todas as
formas úteis diferentes de trabalho que são levadas a cabo independentemente uma das
outras por produtores privados, ou seja, no caso do capitalismo, uma divisão do trabalho que
se dá na troca entre capitalistas individuais e independentes que competem uns com os
outros. Em segundo lugar, existe a divisão do trabalho entre os trabalhadores, cada um dos
quais executa uma operação parcial de um conjunto de operações que são, todas, executadas
simultaneamente e cujo resultado é o produto social do trabalhador coletivo. Esta é uma
divisão do trabalho que se dá na produção, entre o capital e o trabalho em seu confronto
dentro do processo de produção. Embora esta divisão do trabalho na produção e a divisão de
trabalho na troca estejam mutuamente relacionadas, suas origens e seu desenvolvimento são
de todo diferentes (MOHUN, 1988, p.112 - grifo nosso).
Como vemos, o autor analisa o enfoque da ênfase de Marx sobre a divisão social do trabalho
em dois aspectos: um que está ligado diretamente ao processo de trabalho em si e suas decorrências e,
outro, mais próximo do funcionamento das relações de produção, mas dentro do campo da circulação
intercapitalista. Refere-se à localização do problema como uma diferença intercapitalista dos
diferentes ramos, abordando muito sutilmente a contradição existente entre as classes antagônicas.
Apresenta como locais que expressam a divisão do trabalho, a saber: a produção e o local de troca,
numa mútua implicação, mas com desenvolvimentos distintos. Na verdade, anota o que Marx chamou
a atenção fortemente: as exigências do processo produtivo em si. O termo citado é conceituado sobre o
local da troca, o que, na verdade, é a relação própria produtiva realizada no processo de troca.
Para aprofundar esta questão, é bom esclarecer as duas formas pelas quais Marx apresenta a
divisão do trabalho. A primeira, mais explícita e relevante, como uma divisão ‘especifica’, dentro de
uma totalidade, na ação do trabalho concreto, ou seja, como uma ação dividida, motivada por alguma
necessidade sentida pelos sujeitos, para uma melhor realização do trabalho, ou, uma divisão do
trabalho entre as distintas atividades laborais específicas, fruto do desenvolvimento das forças
produtivas ou, ainda, de uma divisão natural do trabalho, visão desenvolvida pelos teóricos burgueses
da época da qual Marx se apropria e a desenvolve-a. Uma segunda face, contida e bem menos
desenvolvida em Marx, é a divisão social do trabalho como expressão histórica da divisão existente
entre as classes sociais no processo produtivo e, conseqüentemente, na luta entre elas.
Para Marx, a especificidade da divisão do trabalho – que alguns autores chamaram de divisão
técnica do trabalho -, chama a atenção ao trabalho concreto e sua ação produtora de valor-de-uso, o
que representa só um lado da lógica marxista sobre o tema, como veremos:
“No conjunto formado pelos valores-de-uso diferentes ou pelas mercadorias materialmente
distintas, manifesta-se um conjunto correspondente dos trabalhos úteis diversos, -
classificáveis por ordem gênero, espécie subespécie e variedade,- a divisão social do trabalho
(MARX, 1989, p.49)”.
Marx tem como referência Smith e outros economistas da época, como Storch e Starbek, no
olhar da divisão social do trabalho, observando, então, basicamente por dentro do processo de
trabalho.
“Considerando apenas o trabalho, podemos chamar a separação da produção social em seus
grandes ramos, agricultura, indústria etc., de divisão do trabalho em geral; a diferenciação
desses grandes ramos em espécies e variedades, divisão do trabalho em particular, e a
divisão do trabalho numa oficina, de divisão do trabalho individualizada, singularizada
(MARX, 1989, p.402)”.
2 IV Conferencia Internacional "La obra de Carlos Marx y los desafíos del siglo XXI"
Nesse processo de mediação, Marx também vai apontar, partindo de uma divisão do trabalho
na sociedade e outra da fábrica com uma interferência mútua. No âmbito da economia e em outros
aspectos da vida social, apresenta, mesmo que sutilmente, a expressão da relação classista, no que
tange a compra e venda das mercadorias, da propriedade dos meios de produção e da força de
trabalho.
“A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e venda dos produtos dos
diferentes ramos de trabalho, a conexão dentro da manufatura, dos trabalhos parciais se
realiza através da venda de diferentes forças de trabalho ao mesmo capitalista que as
emprega como força de trabalho coletiva. A divisão manufatureira do trabalho pressupõe
concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista, a divisão social do
trabalho, dispersão dos meios de produção entre produtores de mercadorias, independentes
entre si (MARX, 1989, p.407 - Grifo nosso).”
O processo de divisão vai sofrendo modificações. São processos de especializações na
produção, crescentes com a grande indústria20, fruto dos processos reais, de inúmeros processos
produtivos desenvolvidos pela necessidade de aumentar a produção em seu alcance no mercado,
subdividindo o trabalho, determinando-o e tornando-o exclusivo, como já apontava Smith. “Em
virtude de experiências, cada operação foi sendo cada vez mais subdividida e cada nova subdivisão
isolada e transformada em função exclusiva de um trabalhador determinado (MARX, 1989, p.388).”
Para Marx, é uma divisão concreta que irá servir de ponte para chegarmos às relações sociais
produtivas, que envolve, além das diferenças técnicas do trabalho, outro tipo de mediação: as próprias
relações sociais. Estas se realizam através da apropriação do trabalho alheio, da propriedade privada
dos meios de produção, relações que expressam a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. A
divisão do trabalho também apresenta as relações sociais entre os próprios capitalistas que dominam e
necessitam trocar suas mercadorias, realizar o movimento de comprar e vender.
Marx não aprofunda, mas aponta a mútua interferência das divisões sociais na produção e a
influência da produção na formação societária. Assim, podemos entender melhor porque Marx não se
limita ao entendimento de Adam Smith, em que a divisão do trabalho é a explicitação da produção
moderna, como se fora somente um quesito técnico. A divisão do trabalho, para SMITH (1985, p.41),
é explicitada apenas enquanto ‘forças produtivas’ no processo produtivo: “O maior aprimoramento
das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais
o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do
trabalho.”
As classes sociais, em contradição com o desenvolvimento das forças produtivas, vão
fundamentar a compreensão da divisão social do trabalho, a sua explicitação e inclusive a sua não
explicitação. Afinal, o que é velado através do conceito de divisão social do trabalho? A apropriação
privada dos meios de produção e o necessário assalariamento do trabalho no processo de reprodução
da sociedade capitalista. Esse lado, o das relações produtivas da sociedade, é menos desenvolvido
teoricamente, pois se encontram ‘esquecidas’ ou impossibilitadas diante do compromisso com a
sociedade burguesa, por parte dos economistas burgueses. De outro, por parte dos críticos, estão
limitados à separação mecânica entre ‘forças produtivas’ e ‘relações sociais de produção’. O problema
ocorre quando, primeiro, não são diferenciadas as distintas implicações da divisão social do trabalho;
segundo, quando a divisão é vista somente como um problema técnico da produção. No caso, não
expressa a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de
produção. Marx aponta a superação dessa visão quando apresenta concretamente o processo da divisão
social do trabalho, subordinando-as às relações classistas existentes.
Como conseqüência do não enfrentamento às diferenças apontadas acima, o entendimento da
divisão do trabalho passa a ser tecnocrático ou idealista. A divisão é simplesmente uma questão de
bom funcionamento da máquina social produtiva, como Adam Smith apontava. É nesta direção que
queremos ponderar: a ampliação do entendimento dominante da divisão do trabalho, como um dos
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pontos de partida na discussão da formação da força de trabalho, inserida nas relações produtivas
históricas. Em relação ao modelo de competências, queremos reforçar a existência da divisão e sua
expressão não só como um problema de habilidade a ser enfrentado, e sim, de uma inserção nos
ditames das relações sociais dominantes.
Quando Marx aborda a divisão social na manufatura é descrita a historicidade dessa divisão
também no terreno técnico, na divisão de ofícios, nas atividades, no processo de divisão do trabalho.
Como já dissemos, é importante entender essas especificidades, e, portanto, separar os entendimentos
que expressam a divisão do trabalho, sem ossificá-las, bem como entender os elementos que
permanecem vivos no fazer humano.
Seguimos para uma outra referência dessa dinâmica de modificação e permanência do fazer
social. Em diversos momentos, Marx escreve sobre a divisão natural do trabalho e mostra o exemplo
da divisão de trabalho por sexo. Num patamar superior, aborda as divisões construídas historicamente,
que respondem às exigências dos diversos modos de produção desenvolvidos na história da
humanidade. As diferenciações necessárias, existentes na divisão do trabalho, consistem numa
totalidade em movimento. Por exemplo, a divisão sexual, apontada por Marx como uma divisão
natural, é profundamente modificada no capitalismo. Hoje, o próprio desenvolvimento das forças
produtivas vem apontando para modificações substantivas dessas diferenças. Considerada, antes,
como uma questão técnica, natural, a divisão entre homens e mulheres passa a ser vista como
diferenças construídas em um dado momento histórico, pela própria dinâmica das relações sociais com
o desenvolvimento das forças produtivas. A própria possibilidade das mulheres substituírem homens
no processo produtivo exemplifica, enquanto resultante, uma mudança da categorização da divisão do
trabalho na história. De categoria natural, anteriormente, transforma-se numa categoria histórica. Essa
dupla constituição da divisão do trabalho, como uma divisão natural, por causas naturais, ser criança
ou ser adulto, está também relacionada à divisão histórica de trabalho. Neste sentido, as relações
produtivas sociais recriam essa divisão.
As divisões naturais também estão relacionadas à possibilidade do desenvolvimento histórico
das forças produtivas, como é o caso das mulheres. O desenvolvimento tecnológico possibilitou a
participação delas no processo exploratório, especificamente no capitalismo, redefinido a questão da
mulher como uma questão histórica e não mais como uma questão natural atrelada à divisão natural
sexual do trabalho. O que era considerado natural transformou-se em histórico, conforme explicitado
no volume II dos Grundisse: “Pero que sólo son leyes naturales del hombre en determinado
desarrollo histórico, con un determinado desarrollo de las fuerzas productivas, condicionado por su
propio proceso histórico (MARX, 1989, p.113)”.
Como fruto do entendimento da divisão do trabalho, naquilo que ela propicia no processo
produtivo e organizativo da sociedade, deve-se atentar para a necessidade da troca na base do processo
da divisão do trabalho.
“Cambio y división del trabajo se condicionan recíprocamente. Cuando cada [[individuo]]
trabaja para sí y su producto no representa nada para sus propios fines, deber naturalmente
realizar intercambios, no sólo para participar en lo patrimonio productivo general, sino
también para transformar el propio producto en un medio de vida para sí mismo (Marx,
1989a, p.85 - grifo nosso)”.
Se limitarmos o entendimento da divisão do trabalho em si, desvinculado da necessidade do
capital em produzir e realizar o valor, não conseguiremos entender a amplitude da divisão do trabalho.
Além do mais, a obscuridade em não separar as duas expressões da divisão do trabalho atrapalha a
compreensão do sentido fundamental da produção de valor e, conseqüentemente, da formação da força
de trabalho. Por outro lado, não poderemos entender a divisão do trabalho e suas conseqüências
suprimindo a produção de valor-de-uso. É impossível a existência da força de trabalho sem a
efetivação de algum valor de uso naquilo que é produzido enquanto mercadoria, tanto nos produtos
dos seres humanos, quanto na própria força de trabalho. Desse modo, o processo produtivo vai beber
4 IV Conferencia Internacional "La obra de Carlos Marx y los desafíos del siglo XXI"
dos mecanismos de produção de valores de troca, passando objetivamente pela resposta às
necessidades, tendo, portanto, um valor-de-uso. A produção de valor é algo inseparável da sua
possibilidade de ser útil e de ser trocada e no capitalismo atinge o máximo da polarização da produção.
No caso, se nos primeiros processos da humanidade o centro da produção era sua utilidade e a troca
era incipiente, no seu desenvolvimento, a troca é o mecanismo para se atingir o sentido último dos
produtos, especialmente, no capitalismo. A troca tem a centralidade para realização da mais-valia
produzida. Tal é sua força, que muitos economistas chegam a colocá-la, equivocadamente, como o
centro produtor do novo valor. Como sempre, no processo de troca é impossível prescindir da sua
utilidade, mesmo que seja uma “utilidade supérflua”,- a qual, em primeira vista, seria um contra-senso.
Entretanto, o sentido de útil não exprime necessariamente um padrão moral e, sim, da relação de
interesses respondidos. Portanto, todas as mercadorias apresentam essa dupla face.
Retomando a idéia da divisão do trabalho, quando a entendemos somente como um elemento
técnico da produção, tenderemos a pensá-la somente como uma força produtiva, desligada de seu
outro lado, básico para a realização da troca, colocada nas relações sociais de produção. Portanto,
quando apanhamos os lados que expressam a divisão do trabalho, necessitamos perceber esses lados
produzidos e produtores destes valores.
O limite é reduzirmos a composição da divisão do trabalho e, como conseqüência, na
composição da força de trabalho e na forma de apresentar o trabalho, somente como a capacidade
técnica de produzir algo concreto. Entenda-se o concreto como algo específico de uma atividade
determinada, deixando assim impossibilitada a apreensão do trabalho abstrato que compõe a totalidade
do trabalho para produção de mercadorias, que é justamente a possibilidade de mensuração e,
conseqüentemente, da realização das trocas. É uma ação indeterminada, medida pelo tempo gasto
socialmente necessário na produção de uma mercadoria, que constitui o trabalho abstrato.
O debate das competências deve ser enriquecido pela recuperação da categoria da divisão do
trabalho. No caso, quando lermos a formação da força de trabalho por competências, devemos sempre
entendê-la dentro da lógica da divisão do trabalho e de sua característica em sua totalidade. Impossível
tratá-la fora desse fundamento básico. Além disso, entender esse parâmetro não é analisar as
competências fora do conteúdo das relações sociais existentes, a necessidade de elas expressarem um
valor concreto, de uso, mas também de serem valoradas através da troca, ou seja, no mercado. Assim,
poderemos ter elementos para sair da armadilha fetichista da idéia e da prática de competência que se
autodefine como superadora da divisão do trabalho.
Bibliografia
CHIAVENATO, I. Carreira e Competência: Gerenciando o seu maior capital. São
Paulo:Editora Saraiva, 2002.
MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro 1. Vol I. 13a edição, Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989.
______. Elementos Fundamentales para la Crítica de la Economia Política (Grundisse)
1857-1858. Vol II. Mexico: Siglo Veintiuno Editores, 1989ª.
MOHUN, S. Divisão do Trabalho In: BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
ZARIFIAN P. Objetivo Competência, por uma nova lógica. São Paulo: Editora Atlas, 2001.
5 IV Conferencia Internacional "La obra de Carlos Marx y los desafíos del siglo XXI"
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Revista Virtual Textos & Contextos, nº 2, dez. 2003.
Textos & Contextos
Revista Virtual Textos & Contextos. Nº 2, ano II, dez. 2003
Relações sociais e questão social na trajetória histórica do serviço social brasileiro
Leonia Capaverde Bulla *
Resumo
Discutem-se, neste artigo, temas que oferecem subsídios para a compreensão das relações sociais
peculiares ao sistema social capitalista, estreitamente ligadas à questão social, às origens e ao
desenvolvimento do Serviço Social no Brasil. Para estabelecer a relação do Serviço Social com a
questão social e com as políticas sociais do Estado, foram focalizados elementos do Estado liberal, do
Estado intervencionista, e as funções políticas e sociais do Estado moderno. Foram reconstituídos os
processos de institucionalização da profissão, de ampliação do seu mercado de trabalho e a expansão das
unidades de ensino de Serviço Social. Revisando-se a trajetória histórica do Serviço Social na sociedade
brasileira, são oferecidas luzes para os debates atuais da profissão e seus questionamentos em relação às
mudanças projetadas para o futuro.
PALAVRAS CHAVES: Relações Sociais. Questão Social. Políticas Sociais. Serviço Social.
Abstract
They are discussed, in this article, the themes that give subsidies for the understanding of the
peculiar social relationships to the capitalist social system, linked to the social question, to the origins
and development of the Social Work in Brazil. To establish the relationship of the Social Work with the
social question and with the social politics of the State, elements of the liberal State were debated, of the
controller State, and the political and social functions of the modern State. They were reconstituted the
processes that turned the Social Work a profession, the amplification of its labor market and the
expansion of the units of teaching of Social Work. Being revised the historical trajectory of the Social
Work in the Brazilian society, lights are offered for the current discussions of the profession and its
questions in relation to the changes projected for the future.
KEY WORDS: Social Relationships. Social Question. Social Politics. Social Work.
Introdução :
Quando o Serviço Social surgiu no Brasil, na década de 30 do século passado, registrava-se no
País uma intensificação do processo de industrialização e um avanço significativo rumo ao
desenvolvimento econômico, social, político e cultural. Tornaram-se mais intensas também as relações
sociais peculiares ao sistema social capitalista.
Quando se coloca em discussão a denominada questão social, dois elementos surgem em
destaque: o trabalho e o capital. A resposta a ser dada ao conflito, entre esses dois pólos, vai depender da
maior ou menor importância que se atribui a um ou outro desses elementos. Para entender melhor essa
problemática, considera-se, de início, o trabalho humano, destacando as relações sociais que se
desenvolvem no sistema produtivo. Focaliza-se, então, o cerne da questão social, a exploração do
trabalho pelo capital, com todas as suas conseqüências para a vida do trabalhador.
O Serviço Social profissional teve suas origens no contexto do desenvolvimento capitalista e
do agravamento da questão social. Para compreender as circunstâncias históricas ligadas ao surgimento
dessa profissão no Brasil, estudou-se o contexto da época em que foi criada no País, a década de 30 do
século passado, considerando-se como eixo central da análise a questão social em seus aspectos
econômicos, políticos e sociais. Nesse contexto, foi promulgada uma série de medidas de políticas
sociais, como uma forma de enfrentamento das múltiplas refrações da questão social, ao mesmo tempo
em que o Estado conseguia a adesão dos trabalhadores, da classe média e dos grupos dominantes, donos
do capital. O governo populista adotava, ao mesmo tempo, mecanismos de centralização político-administrativa, que favoreciam o aumento da produção, dando condições para a expansão e a
acumulação capitalista.
Relacionando o Serviço Social com a questão social e com as políticas sociais do Estado,
tornou-se necessário o debate de alguns elementos da problemática do Estado: o Estado liberal, o Estado
intervencionista, e as funções educativas, políticas e sociais que se desenvolvem no âmbito do Estado moderno. Os processos de institucionalização do Serviço Social, como profissão, estão relacionados com os efeitos políticos, sociais e populistas do governo de Vargas. A implantação dos órgãos centrais e regionais da previdência social e a reorganização dos serviços de saúde, educação, habitação e assistência ampliaram de modo significativo o mercado de trabalho para os profissionais da área social.
O Serviço Social, como profissão e como ensino especializado, beneficiou-se com esses elementos
históricos conjunturais. Ao mesmo tempo em que se ampliava o mercado de trabalho, criavam-se as
condições para uma expansão rápida das escolas de Serviço Social.
1. As relações sociais no sistema capitalista
O trabalho humano se encontra na base de toda a vida social. Os homens, impulsionados pelas
necessidades vitais, apropriam-se da natureza e produzem os bens necessários a sua manutenção, que
lhes dão condições de existir, de se reproduzir e de “fazer história”, salientaram Marx e Engels (1982,
p.19). Satisfeitas as primeiras necessidades, surgem outras, exigindo novas soluções, que direcionam o
homem nas relações com os outros homens. Enredado nesse conjunto de relações sociais, como um ser
social e histórico, este desenvolve sua práxis, atividade material pela qual ele “faz o mundo humano” e
se transforma a si mesmo (Vazquez, 1977, p. 9). Assim, através de contínuas transformações das
condições sociais, realizadas pela práxis humana, foram sendo gerados os progressos econômico e
social, bem como toda uma cultura.
Na teoria marxista, o modo de produção oferece elementos para caracterizar as sociedades e analisar
as suas transformações. É importante apresentar aqui alguns elementos dessa teoria, que propiciam a
discussão sobre as forças que atuam na vida social e a crítica a um determinismo mecanicista.
No processo de trabalho, os homens criam determinadas relações entre eles (relações de produção),
que, juntamente com a capacidade de produzir (forças produtivas), constituem o modo de produção. O
nível de desenvolvimento dessas forças produtivas materiais e as relações de produção correspondentes
determinam, segundo Marx e Engels (1982), os diferentes tipos de sociedade. As relações de produção
modelam, portanto, a estrutura social e a repartição da sociedade em classes. Quando as condições
materiais de produção mudam, também se alteram as relações entre os homens que ocupam a mesma posição na sociedade de classes.
Marx e Engels (1982) considera que a totalidade das relações de produção estrutura
economicamente a sociedade. Na base, se encontram as forças produtivas, ou seja, os instrumentos e técnicas de produção, a força de trabalho dos homens, os objetos aos quais se aplica esse trabalho. Sobre
a infra-estrutura econômica se ergue uma superestrutura, composta da instância jurídico-política e da
instância ideológica, a que correspondem todas as formas de consciência social. As contradições entre as forças produtivas e as relações de produção acabam levando ao colapso um determinado modo de
produção e a sua substituição por outro, dando assim lugar ao que Marx denomina de “épocas
progressivas de formação econômica e social” (Marx e Engels 1982, p. 531).
As concepções acima sobre modo de produção e sua transformação histórica, necessárias para se
compreender como funcionam as forças de vida social, colocam um acento demasiado nas forças
econômicas, fazendo delas o elemento determinante. Não se desconhece que as condições econômicas
têm sido, historicamente, as forças mais fortes e decisivas, mas não se pode negar a existência de
inúmeras outras forças, que também exercem a sua influência. Os elementos políticos, jurídicos,
filosóficos, religiosos, literários, artísticos e outros repercutem uns sobre os outros, sobre a estrutura
econômica e sobre o curso da história.
Essa visão encontra apoio em vários autores marxistas que, justamente por esse posicionamento, são
referidos freqüentemente neste trabalho, dando-lhe suporte teórico. Gramsci (1974), que considerava o
marxismo como uma “filosofia da práxis”, salientava o papel do fator subjetivo, da atividade
revolucionária dos homens na história real, mas sublinhando “a oposição do marxismo tanto ao
materialismo mecanicista como à filosofia especulativa em geral, desligada da história real e da
atividade prática humana, particularmente a política” (Vazquez, 1977, p. 49).
Esses autores salientam o papel de sujeito, a ação exercida pelos homens na história, sem
desconhecer as circunstâncias que limitam o agir humano. Esse relacionamento configura-se como uma
relação dialética entre o sujeito e o objeto, em que se reconhece uma reciprocidade de influências entre
esses dois elementos, tanto no processo de conhecimento da realidade, como na atividade prática que visa transformá-la.
A interpretação economicista das forças sociais, por outro lado, tem seus fundamentos na leitura de
textos de Marx e Engels, desvinculados do contexto histórico em que foram produzidos e do todo de sua
obra. Para combater os que viam na consciência, na razão, nas idéias, na moral ou na religião a força motriz da história, Marx e Engels (1982) atribuíram uma tal importância à estrutura econômica, que deu
margens a interpretações distorcidas. Um estudo mais profundo desses autores tem demonstrado,
entretanto, o valor atribuído por eles às influências das outras instâncias da sociedade e à ação dos
homens na história.
Por outro lado, não são as intenções, nem a pura vontade dos homens, de certos grupos e de seus heróis, que determinam a marcha da história. Os homens fazem a história, com sua práxis, mas “dentro
de circunstâncias concretas e históricas que cerceiam ou ativam suas ações” (Marx e Engels, 1982, p.
547). Nessas relações podem ser constatadas as ambigüidades humanas, as hesitações e, não raro, os distanciamentos entre os projetos ideais e as realizações concretas, que demonstram, como bem expressa
Kosik, “a dialética da situação dada e da ação; a dialética das intenções e dos resultados do agir humano;
a dialética do ser e da consciência dos homens (Kosik, 1976).
Na realidade, embora os homens se encontrem enredados em múltiplos condicionamentos, existem
possibilidades e espaços, ainda que limitados, para sua ação transformadora. E a história tem
testemunhado esse contínuo movimento dos homens, tentando superar as circunstâncias adversas e
melhorar as suas condições de existência, através de sua práxis humano-social.
2. A questão social na sociedade capitalista
A história revela que a ação recíproca entre os homens, embora tenha gerado o progresso
econômico-social e toda uma cultura humana, produziu também a alienação, a dominação do homem
sobre os outros homens e as desigualdades sociais. Essas desigualdades sociais se tornaram cruciais nas
sociedade em processo de industrialização.
Marx, em sua obra O Capital (1985), fez uma profunda crítica da sociedade capitalista e das
ideologias que mascaram a sujeição real do trabalho ao capital, a alienação e a exploração da classe trabalhadora. Os proprietários dos meios de produção, retirando a mais-valia do trabalho, intensificaram o processo de acumulação do capital. A concentração dos bens de produção nas mãos de poucos, em prejuízo dos que só possuíam a sua força de trabalho, levou ao agravamento dos problemas sociais enfrentados pelos trabalhadores.
As relações conflituosas que se estabeleceram entre o capital e o trabalho configuram a questão
social, problema que, a partir do século XIX, tem sido colocado em debate, com o aporte da teoria marxista. Como os desdobramentos da questão social na história serão estudados posteriormente, foram selecionados dois pontos para a discussão: a exploração e a alienação.
Marx, a partir do valor do trabalho, construiu o conceito de mais-valia. O autor explica, então, que
no modo de produção capitalista, o processo de trabalho é também um processo de exploração, porque
se dá uma apropriação do excedente do trabalho pelo capitalista (1985). O trabalhador, que nada possui,
se vê obrigado, assim, a vender sua força de trabalho para poder sobreviver, e a burguesia, detentora dos
meios de produção, enriquece, se apropriando da mais-valia. A acumulação crescente levou o sistema capitalista a expandir-se, assumindo cada vez mais o controle de todos os recursos materiais e humanos, e colocou esse imenso potencial a serviço de um processo produtivo cada vez mais eficiente, associado ao desenvolvimento científico e tecnológico.
O sistema capitalista, entretanto, além da exploração, significa também a alienação do homem. E a
obra de Marx (1982-1985) é permeada pelas críticas às várias formas de alienação: a religiosa, a
filosófica, a política e a socioeconômica. Para Marx (1985), a alienação econômica e social reveste-se,
principalmente, das seguintes formas: separação entre o homem e seu trabalho, que o priva de decidir o
que faz e como faz; separação entre o homem e o produto de seu trabalho, que lhe tira o controle sobre o
que é feito com o resultado e os excedentes de seu trabalho, possibilitando a exploração; separação entre
o homem e seu semelhante, gerando relações de competição. Essas formas de alienação se fundamentam
na divisão social do trabalho, na propriedade privada e na decorrente divisão da sociedade em classes.
Grande parte da obra de Marx e Engels (1982) se constitui numa tentativa de mostrar ao movimento
operário como o modo de produção capitalista desvirtua a vida e as relações sociais humanas, sob
múltiplas formas, com o intuito de satisfazer as exigências da reprodução do capital. A consciência
crescente da exploração e o agravamento dos problemas sociais, ligados à acumulação capitalista,
levaram os trabalhadores a se organizar em movimentos e lutas por melhores condições de vida e de trabalho.
As políticas sociais, que começaram a ser implantadas no fim do século XIX, na Europa e Estados
Unidos, e a partir de 1930, no Brasil, têm sido apontadas como “uma gestão, ainda que conflitiva, da
força de trabalho para que ela se reproduza nas melhores condições para o capital” (Faleiros, 1980, p.
48). Mas as medidas de política social não podem ser vistas apenas sob o ângulo da reprodução ou como
escamoteamento da exploração capitalista. Essa seria uma explicação parcial e, de certa forma,
mecanicista, porque não considera a realidade concreta da correlação de forças sociais e as contradições
do próprio sistema capitalista. Assim, embora não se desconheçam os outros fatores envolvidos,
salienta-se o papel de sujeito, desempenhado pelas classes trabalhadoras, na conquista de seus direitos e
na implantação de medidas de política social pelo Estado capitalista moderno, em resposta à questão social.
É importante assinalar, portanto, que as políticas sociais implantadas nos países de capitalismo
avançado, não foram produtos de uma ação autônoma e beneficente do Estado, mas “o resultado de
concretas, prolongadas e muitas vezes violentas demandas das classes populares” (Vilas, 1978, p. 7).
Nesses países havia uma longa tradição de luta pelos direitos de cidadania. Muitos benefícios sociais
foram conquistados pelos trabalhadores e eram administrados pelo Estado, como forma de distribuição
da riqueza acumulada pelo capital. No Brasil, as políticas sociais e o Serviço Social foram implantados
na terceira década do século XX, em condições muito diversas, assumindo características peculiares, que
vão marcar seu desenvolvimento posterior e que ajudam a compreender suas limitações atuais.
3. A questão social no processo de industrialização do Brasil
Em meados da década de 30, do século XX, quando o Serviço Social surgiu no Brasil, registrava-se
no País uma intensificação do processo de industrialização e um impulso significativo rumo ao
desenvolvimento econômico, social, político e cultural (Pereira, 1999). Essas mudanças no contexto
sociopolítico e econômico brasileiro iniciaram com a Revolução de 1930, considerada um evento
marcante da história contemporânea brasileira.
Na realidade, a referida revolução pode ser considerada como um ponto divisório entre dois períodos
distintos da história da sociedade brasileira: a época de vigência do sistema agrário-comercial,
amplamente vinculado ao capitalismo internacional, e a do sistema urbano-industrial, voltado para o
mercado interno, que emergia paulatinamente, encontrando bases cada vez mais sólidas de expansão.
Antes de 1930, um parque industrial ainda incipiente não permitira a concentração do proletariado,
mas a questão social já se fazia perceber localizadamente. As condições de trabalho eram precárias e o
estado de tensão era permanente por falta de uma legislação trabalhista.
A partir de 1930, o Brasil entrou num período de maior desenvolvimento econômico, que se refletiu
no aumento da renda per capita, dos salários reais e do consumo. Simultaneamente registrou-se um
incremento da taxa de crescimento da população e de urbanização. A concentração da população nas áreas urbanas trouxe consigo problemas de assistência, educação, habitação, saneamento básico, de infra-estrutura e tantos outros. Na medida em que a industrialização avançava, crescia a concentração da
renda, ampliando-se as desigualdades sociais, aumentando as tensões nas relações de trabalho e
agravando-se a questão social.
O Estado, com sua concepção liberal, expressa mais manifestamente na Constituição Brasileira de
1891, negava-se a intervir nos conflitos entre patrões e empregados e se opunha a realizações sociais distributivas de caráter obrigatório (Fischlowitz, 1964). De acordo com as concepções vigentes, não se admitia a intervenção direta do Estado na economia. Ele atuava como um simples “regulador do livre
jogo das forças econômicas, administrando, cobrando impostos, fornecendo meios de comunicações e transportes baratos para a circulação de mercadorias” (Flores, 1986, p. 98). Ao contrário do que
acontecera em governos anteriores, entretanto, o governo populista, que assumiu o poder logo após a Revolução de 1930, reconheceu a existência da questão social, que passou a ser uma questão política, a
ser enfrentada e resolvida pelo Estado.
4. As políticas sociais face à questão social
Com o incremento do processo de industrialização, os movimentos operários começaram a surgir no
Pais, com freqüência crescente. Apareciam sinais evidentes de descontentamento e frustração da classe
média e dos grupos de intelectuais. Ocorriam também movimentos políticos contra a administração
pública, considerada ineficiente, inábil e retrógrada, protestando-se contra o status quo e a falta de
soluções para as crises sociais, políticas e econômicas (Fischlowitz, 1964).
Vargas, que estava no poder, temia a ascensão e o acirramento desses movimentos, a exemplo do
que acontecia com os movimentos operários europeus. Para conseguir a adesão e o consenso dos
trabalhadores, ele estabeleceu uma série de medidas de política social de caráter preventivo, integradas
no conceito de progresso social e institucional. Em sua grande parte, essas medidas também
beneficiavam a classe média e atendia, de certa forma, as aspirações da burguesia, dando condições de
aumento da produção. Ele conseguiu, assim, estabelecer uma política de compromissos e conciliações entre os grupos dominantes, as camadas médias e os trabalhadores, que sustentavam a ideologia da “paz social”, que deu suporte à expansão do capitalismo no Brasil. A questão social, que antes era encarada como uma questão de polícia, passou a ser considerada como uma questão de Estado, que demandava soluções mais abrangentes .
O Estado adotou, a partir daí, uma política de proteção ao trabalhador, incentivando o trabalho e o
aumento da produção. Criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em novembro de 1930, e
promulgou uma legislação trabalhista que respondia, de certa forma, às necessidades do trabalhador e aos interesses mais amplos da industrialização emergente. Assim, foi sendo dado um tratamento
sistemático à questão social que, ao mesmo tempo, aliciava e atrelava as classes subalternas à política do
governo, sem permitir maiores chances de participação.
No mesmo ano, foi criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Em 1933, as
caixas de aposentadorias e pensões deixam de pertencer às grandes empresas e passam a abranger
categorias de profissionais, surgindo, a partir dessa data, os institutos de aposentadorias e pensões. Ainda
em 1933, foi criado o Instituto de Aposentadoria dos Marítimos e, no ano seguinte, 1934, o Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e dos Bancários. Em 1936, os trabalhadores da indústria foram beneficiados com a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Em 1938 foram fundados mais dois órgãos do mesmo tipo dos anteriores, o Instituto de Aposentadoria e Pensões para Trabalhadores do Transporte e Carga e o Instituto para a Assistência dos Servidores Civis. Nos anos seguintes foram sendo ampliadas as categorias beneficiadas, estabelecendo-se que as que não fossem cobertas pelos institutos continuariam a pertencer às caixas de aposentadorias e pensões existentes antes de 1930 (FEE, 1983; Faleiros, 1980).
Em 1938, foi instituído o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), órgão ligado ao Ministério
de Educação e Saúde, a quem foram atribuídas as seguintes funções: realizar inquéritos e pesquisas
sobre as situações de desajustes sociais; organizar o Plano Nacional de Serviço Social, englobando os setores públicos e privados; sugerir políticas sociais a serem implantadas pelo governo; dar parecer sobre
a concessão de subvenções governamentais às instituições privadas. Segundo Iamamoto , o CNSS não
chegou a exercer plenamente as suas funções, servindo mais como distribuidor de verbas e subvenções,
favorecendo o clientelismo político. É considerado, entretanto, como um “marco da preocupação do
Estado em relação à centralização e organização das obras assistenciais públicas e privadas” (Iamamoto;
Carvalho, 1983, p. 256).
Em 1939, receberam a devida regulamentação a Justiça do Trabalho e a Legislação Sindical,
mecanismos que já constavam da Constituição, desde 1937. Em 1940, foram decretados o Imposto
Sindical, o Salário Mínimo e o Serviço de Alimentação da Previdência Social.
Em 1942, foi criada por Decreto-lei a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que serviria como
órgão de colaboração junto ao Estado, para cuidar dos Serviços de Assistência Social. Ainda em 1942,
foi instituído o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC). Em 1943, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Em 1946, foram fundados mais dois órgãos importantes para o atendimento dos trabalhadores: o
Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). No mesmo ano, criou-se a
Fundação Leão XIII, com o objetivo de atuar na educação popular dos favelados do Rio de Janeiro. Em
1951, foi criada a Fundação da Casa Popular, para melhorar as condições de habitação das classes
trabalhadoras. Ainda em 1951, foi também instituído o abono familiar para as famílias com rendimentos
inferiores ao dobro do salário mínimo e com, pelo menos, oito filhos menores de 18 anos.
Foram muito importantes para a proteção ao trabalhador as instituições referidas acima e as medidas
de Política Social assumidas pelo governo brasileiro, no período de 1930 a 1954. Entre essas medidas podem ser citadas a instituição do salário mínimo, a jornada de 8 horas de trabalho, as férias remuneradas, a estabilidade no emprego, a indenização por dispensa sem justa causa, a convenção coletiva de trabalho, a proteção ao trabalho da mulher e do menor, a assistência à saúde, à maternidade, à infância e uma série de outros serviços assistenciais e educacionais.
Os grandes gastos do governo com a política social, nesse período, deram origem à concepção de
Estado de Bem-Estar Social que, na realidade, nunca chegou a ser totalmente implantado no Brasil. O
Estado se tornou cada vez mais importante e se transformou no principal instrumento de acumulação
capitalista, através de mecanismos de centralização política e administrativa e de controle da massa
trabalhadora, pelas técnicas de propaganda, coesão social e assistência.
Nesse contexto, o Estado tornou-se o centro máximo das decisões, passando a impor, quase que
unilateralmente, as novas vantagens sociais, sem maior participação da sociedade brasileira. Esse Estado
se arrogava a prerrogativa de conceder os benefícios sociais, dentro de uma política de “harmonia e de
paz social”.
O operariado se via tolhido por uma legislação trabalhista e por uma política outorgada que, ao
mesmo tempo que lhe garantia direitos e lhe concedia benefícios, limitava-lhe a ação política. A classe
operária perdia, transitoriamente, a possibilidade de aprimorar os seus próprios meios de atuação,
inserida que estava num sistema político destinado a evitar ou limitar a emergência de tensões entre as
classes.
5. A criação do serviço social no contexto da questão social
Em sua política de alianças, o governo de Vargas também procurou o apoio da Igreja Católica. As
posições da Igreja relativas à questão social, contidas na Encíclica Quadragésimo Ano (Pio IX, 1931),
confirmavam as da Rerum Novarum (LEÃO XIII, 1891) quanto à necessidade de o Estado intervir nas
relações entre o capital e o trabalho e à obrigação de realizar políticas sociais. Reafirmavam, por outro
lado, a importância de uma sociedade consensual e harmônica, sem conflitos de classe.
Essas e outras aproximações entre o Governo e Igreja brasileira os levaram a se apoiarem
mutuamente. A Igreja oferecia suporte às políticas do Estado, e Vargas cooperava com muitos dos
propósitos da Igreja Católica, preocupada com a restauração cristã da sociedade brasileira (Montenegro,
1972). A partir dessa aliança, houve uma grande expansão das instituições católicas, tanto as
assistenciais, quantos as educativas, entre elas as universidade católicas. Essas instituições educacionais
foram significativas na formação de pessoal para a realização do trabalho social nas instituições
assistenciais nascentes.
Para que a nova atividade se afirmasse como profissão e pleiteasse o reconhecimento da sociedade,
tornou-se necessária a elaboração de um conjunto de conhecimentos próprios e a formação de
profissionais competentes, que dessem uma contribuição significativa à sociedade. Com tal objetivo,
foram organizados os cursos de Serviço Social
A primeira escola de Serviço Social, no Brasil, foi fundada em 1936, em São Paulo, onde se
concentrava a maior parte da indústria nacional. Esse curso foi incorporado, mais tarde, à PUCSP. No
ano seguinte, foi criado o curso de Serviço Social no Rio de Janeiro, junto ao Instituto Social, sendo, posteriormente, vinculado à PUCRJ. Em 1945, entrou em atividade a Escola de Serviço Social de Porto Alegre, hoje denominada Faculdade de Serviço Social da PUCRS. Outras escolas de Serviço Social foram sendo fundadas no decorrer das décadas seguintes.
Nos primeiros tempos, os Assistentes Sociais trabalhavam principalmente nas instituições da Igreja
Católica, fortemente ligada às origens da profissão. Esse profissional foi logo sendo absorvido pelas
instituições do Estado que se organizava para enfrentar a questão social. Os campos da saúde e jurídicos
foram os privilegiados, tanto que o Serviço social passou a assumir características paramédicas e para-jurídicas. A área da saúde, englobava o trabalho nos centros de saúde, nos hospitais gerais, nas
maternidades, nos hospitais pediátricos e psiquiátricos, nos centros de atendimento aos portadores de deficiência, nos centros de reabilitação e outros. Na área judiciária o Serviço Social atendia os casos de
abandono, maus-tratos e adoção de crianças e adolescentes, jovens e adultos infratores, e outros
problemas familiares. Além disso, atuava na área da Educação, na Habitação, na Assistência e até na área da Agricultura, em trabalhos de Extensão Rural (programas de desenvolvimento de comunidades rurais).
O Estado passou a ser então o grande empregador. Mas o Assistente Social também ocupava outros
espaços profissionais, em grandes organizações, como as associações patronais da Indústria (Serviço
Social da Indústria e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e do Comércio (Serviço Social do
Comércio e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), que empregavam grande número de
Assistentes Sociais para atuar junto aos trabalhadores da Indústria e do Comércio. Essa foi uma porta de
entrada para o trabalho dos profissionais nas grandes empresas, sendo contratados diretamente por essas
organizações.
Outra grande fonte de empregos dos profissionais da área foi a Legião Brasileira de Assistência,
subsidiada quase exclusivamente por fundos públicos, muito criticada por suas ligações com as
“primeiras damas dos Estados e Municípios” e por suas características clientelistas, muitas vezes
utilizadas para fins político-eleitoreiros. Paralelamente a essas instituições governamentais ou
subsidiadas, quase que exclusivamente por verbas públicas, existiam outras instituições particulares,
ligadas às organizações religiosas e privadas com os mais variados objetivos na área social.
Em seus campos iniciais de trabalho, os profissionais de Serviço Social se viram na contingência de
importar modelos teóricos e metodológicos de Serviço Social, construídos em países em estágio mais avançado de desenvolvimento. O instrumental importado, que enfatizava a abordagem individual, com
características paramédicas e parajurídicas, tornou-se inadequado. Diante de uma realidade
subdesenvolvida, onde as condições de subsistência não estavam sendo atendidas, a ação profissional mostrava-se paliativa, pois os problemas requeriam soluções estruturais.
O referencial teórico e as propostas metodológicas iniciais do brasileiro tinham como fundamentos
os princípios filosóficos e cristãos, aliados às experiências de ação social francesas e belgas. Essas
origens conferiram ao Serviço Social uma herança cultural com “fortes marcas confessionais”, como
destaca Iamamoto (1998, p. 105). Na época, o Serviço Social era concebido como uma “missão”, um
“serviço” à sociedade, que estava na dependência de uma “vocação” específica de seus agentes, a quem
competiria, segundo expressões muito utilizadas na época, “fazer o bem-feito”. Isso significava realizar
um trabalho de ajuda com competência técnica, com base em princípios filosóficos e morais, que seriam
transmitidos aos assistentes sociais, através da educação.
Essa visão inicial, com muita ênfase em conteúdos filosóficos, logo se mostrou insuficiente para a
atuação prática dos assistentes sociais. A partir da década de 40 do século XX, os novos profissionais procuraram um aprimoramento técnico e metodológico, tendo como fundamento as Ciências Sociais e, com elas, a visão funcionalista americana passou para o brasileiro.
Esses fundamentos foram muito questionados, a partir da década de 60, época em que grandes
mudanças ocorreram na vida social, econômica, política e cultural brasileira. Estudos publicados pelos
organismos internacionais e pan-americanos foram revelando os problemas de subdesenvolvimento da
América Latina, sua dependência em relação aos países hegemônicos e a marginalidade de grande parte
de sua população. O desenvolvimento se transformou numa idéia-força que penetrou todos os setores da
sociedade. A busca de uma saída para a situação de subdesenvolvimento tornou-se a preocupação dos responsáveis pelas políticas econômicas e sociais dos países sul-americanos.
Nesse contexto, os intelectuais da áreas das Ciências Humanas e Sociais, entre eles os de Serviço
Social, questionavam-se sobre as formas de superação das situações de atraso e de marginalidade social
e sobre o papel dos diferentes profissionais no processo de desenvolvimento. Com a consciência das condições de subdesenvolvimento do País e da pobreza de grande parte da população, crescia entre os
profissionais um sentimento de frustração, gerado pela incapacidade de atender às demandas sociais.
Associavam-se a esse sentimento, a falta de reconhecimento e o desprestígio profissional do Serviço
Social, em relação às profissões mais tradicionais.
As prerrogativas dos diplomados em cursos superiores de Serviço Social estavam asseguradas em
leis e decretos.
Por definição legal, o Serviço Social constituía-se como profissão liberal, de natureza
técnico-científica, sendo a designação profissional de “assistente social” privativa dos habilitados em
cursos superiores específicos, reconhecidos pelo governo federal. Para a disciplina e fiscalização do
exercício da profissão, criaram-se o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Serviço Social.
Embora amparada por toda essa legislação federal, resultado das lutas dos assistentes sociais e das
associações profissionais e de ensino do Serviço Social, a profissão custou a conquistar o
reconhecimento da sociedade. As dificuldades encontradas pelos profissionais na valorização do seu
trabalho estavam estreitamente ligadas às origens do Serviço Social e às imagens e estereótipos que se
criaram em torno de suas práticas. As atividades do Serviço Social foram historicamente identificados
com práticas confessionais ou estatais, de cunho assistencialista e paternalista, que se mostravam
ineficazes diante dos desafios da miséria e do subdesenvolvimento.
A dificuldade de delimitar sua competência específica diante de outros profissionais de áreas afins
se constituía em outro entrave ao prestígio profissional. Na medida em que não se conseguia um
consenso no interior da própria profissão, tornava-se difícil obter a compreensão da população assistida e
das instituições, que nem sempre respeitavam as prerrogativas profissionais do assistente social.
Muitos dos problemas enfrentados pelos assistentes sociais brasileiros eram também sentidos pelos
profissionais da categoria, em outros países sul-americanos. A aproximação e a possibilidade de
intercâmbio profissional tornou-se um fato, quando a América Latina começou a voltar-se para si
mesma, a realizar seminários entre os países do Sul do continente e a promover estudos sobre seus
problemas de desenvolvimento.
Na busca de novas alternativas de ação aos desafios sociais, os Assistentes Sociais integraram-se ao
projeto desenvolvimentista, realizando experiências significativas de organização comunitária, a partir
BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei 1.889, de 13 de junho de 1953, que dispõe sobre os
objetivos do ensino de Serviço Social e ainda as prerrogativas dos portadores de diploma
de Assistente Social; Decreto 35.311, de 8 de abril de 1954, que regulamenta a lei 1.889;
Lei 3.532, de agosto de 1957, que regulamenta o exercício da profissão de Assistente
Social; Decreto 994, de 15 de maio de 1962, que regulamenta a Lei 3.352, que dispõe sobre
o exercício da profissão de Assistente Social e a constituição do Conselho Federal de
Assistentes Sociais – CFAS e dos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais – CRAS;
Lei 8862/93, de Regulamentação da Profissão.
Da década de 50 do século XX. Muitos profissionais da área se envolveram, igualmente, nas lutas de sociedade brasileira pelas Reformas de Base, que aconteceram nos anos 60 e participaram dos
movimentos de Educação de Adultos e Cultura Popular. Com o golpe militar de 1964, esses Assistentes
Sociais, como muitos brasileiros que lutaram pela transformação social, sofreram a repressão do regime.
No Brasil pós-64, as alterações no modelo econômico haviam redefinido e reforçado seus laços de
dependência em relação aos países industrializados. Os investimentos de capital estrangeiro no País
permitiram, entretanto, uma grande dinamização de sua economia, com conseqüente reorganização
administrativa, tecnológica e financeira.
A implantação e a consolidação desse novo modelo, que permitiu a acumulação e a expansão
capitalista, eram acompanhadas de novas formas de controle social e político. Houve repressão das
classes trabalhadoras e contenção dos salários. Como mecanismo compensatório, foi implantada uma
série de medidas de política social, sem consulta ou participação da classe trabalhadora. Nesse contexto,
houve uma tendência ao crescimento da demanda de Assistentes Sociais, como agentes executores das
políticas sociais. Desses profissionais, exigiram-se especialização em políticas sociais, planejamento,
administração de serviço, o que significava uma formação técnica e metodológica rigorosa e adequada
ao mercado de trabalho.
Essas exigências em relação ao Serviço Social se inseriam no processo mais amplo de modernização
da Educação, considerada uma das condições básicas para o processo de desenvolvimento do País.
Tornara-se urgente a formação de recursos humanos para acelerar o desenvolvimento científico e
tecnológico, o que implicava na reorganização de todo o sistema educacional, com base na
racionalização, eficiência e produtividade.
Com o cerceamento dos movimentos mais amplos de mudanças social, após 64, os Assistentes
Sociais se dedicaram com maior profundidade à crítica interna. Foram realizados importantes encontros
profissionais, em níveis regionais, nacionais e latino-americanos, debatendo as questões profissionais e
educativas do Serviço Social. A partir desses encontros, foram se definindo novas tendências no seu interior, tendo sido incrementada a produção intelectual e científica da área, em revistas, documentos e
livros.
O relacionamento mais estreito com os assistentes sociais latino-americanos e a consciência da
existência de problemas comuns, desafiando elementos de uma mesma profissão, deram origem a
Reconceituação que se caracterizou pela crítica radical ao sistema vigente e às formas tradicionais de ação, propondo novos enfoques teóricos e metodológicos. O movimento não era homogêneo, abrigando
várias tendências no seu interior. Nascido na década de 60, cresceu na de 70 e serviu de estímulo para a
produção de vários documentos na área, com importante contribuição para a revisão da teoria, da prática
e do ensino de Serviço Social.
Entre as propostas apresentadas por esse movimento se colocavam as seguintes: adequação do
Serviço Social à problemática dos países latino-americanos, tendo em vista a impossibilidade de se
trabalhar numa realidade concreta, com desafios próprios e específicos, utilizando-se métodos e técnicas
importados de outra realidade; definição de um marco teórico referencial para a prática do latino-americano; busca de metodologia adequada às exigências dessa realidade e que pudesse assegurar a
integração teórico-prática na atividade profissional; produção de uma literatura que refletisse as
respostas do Serviço Social à realidade latino-americana (Macedo, 1981). Esse movimento propunha a
adoção de um referencial marxista de análise dos fenômenos sociais e a adoção de novas metodologias
de ação, que levassem em conta a totalidade do social.
A realização de práticas de numa perspectiva dialético-marxista vinha sendo tentada desde a década
de 70. Nessa época, o movimento de Reconceituação apresentava uma nítida influência do pensamento
de Althusser (1983). De acordo com essa perspectiva, as instituições eram consideradas aparelhos
ideológicos do Estado e “lugar de luta de classe pela direção da sociedade” (Althusser, 1983, p. 17), e o
de Serviço Social , como “atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da
ideologia dominante” (Iamamoto e Carvalho, 1983, p. 23).
Os Assistentes Sociais e os acadêmicos estagiários, com base nesses conhecimentos, nem sempre
bem assimilados, passaram a adotar uma postura de negação da prática institucional, o que os colocava
em confronto com as instituições. Por outro lado, crescia a participação nos movimentos populares,
dando-se ênfase à prática política.
No fim da década de 70 e início dos anos 80 do século XX, o movimento começou a receber a
influência de Gramsci (1986). Instituição passou a ser considerada como espaço contraditório, em que
circulavam as ideologias e em que se podiam aproveitar os espaços para a divulgação de novas
concepções de mundo, para minar as estruturas, abalar a hegemonia das classes dominantes e tentar uma
nova estrutura societária.
As concepções de Gramsci (1986) serviam de estímulo, numa época de transição democrática e em
que se pretendiam ocupar todos os espaços possíveis, para dar uma contribuição efetiva ao processo de
libertação do autoritarismo e à luta pelos direitos de cidadania. A prática institucional foi revalorizada,
mas se buscavam novas formas de participação da população nos programas institucionais e sua
articulação com os movimentos populares.
O novo desafio consistia em construir teorias a partir dessas práticas, buscando-se a definição da
especificidade da prática do Serviço Social, em meio a outras práticas sociais. Na década de 70,
continuaram, com maior vigor, os questionamentos em relação à formação para o Serviço Social,
articulados às críticas à Educação e à Universidade. Apesar de todo o aparato policial repressor,
surgiram novos movimentos sociais de reivindicação salarial, que se ampliaram, assumindo caráter
contestatório em relação às condições sociais e políticos de País. No fim da década de 70 do século passado e início da seguinte, junto com os movimentos sindicais, cresceram as reivindicações dos moradores de vilas e bairros, e se fortaleceram as comunidades eclesiais de base. Setores da classe começaram também a se articular no sentido de fazer oposição ao regime político em vigor. Crescia a pressão pela volta da democracia, que tornasse possível o exercício da cidadania
Pelos fins da década de 80, com a redemocratização do País e com a nova Constituição (Brasil,
1988) ocorreu uma importante mudança na área do Serviço Social, que acompanha todo um movimento
da sociedade brasileira. As políticas sociais passaram a direcionar-se para a universalização e garantia dos direitos sociais, para a descentralização político-administrativa e para a participação popular.
Os assistentes sociais passaram a se questionar sobre os rumos da ação profissional, face à
rearticulação dos movimentos populares e das organizações da sociedade civil. Discutiam-se a formação
profissional e a relação da prática com os conhecimentos teóricos veiculados.
A expansão do ensino superior no País, em função do modelo econômico e da política educacional,
atingira igualmente o Serviço Social, constatando-se um aumento significativo do número de matrículas
em nível nacional. A grande oferta de assistentes sociais repercutira no mercado de trabalho,
constatando-se a depreciação dos salários e o desemprego. Além da concorrência entre assistentes
sociais, outros profissionais e subprofissionais de áreas afins passaram a disputar o mercado da área
social, anteriormente afeto quase que exclusivamente ao Serviço Social (Pinto, 1986).
Os questionamentos sobre o Serviço Social, como disciplina profissional, profissão e prática
educativa, foram levados aos encontros regionais e às convenções nacionais da então Associação
Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS) e foi elaborada uma nova proposta de formação
A partir de 1998, a ABESS passou a denominar-se Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social – ABEPESS.
profissional que, após a aprovação pelo Conselho Federal de Educação, foi sendo implantada a partir de
1984, em todas as Unidades de Ensino do País.
Na década de 90, discutia-se no Serviço Social a conjuntura brasileira, face às mudanças no cenário
mundial: a globalização da economia, o neoliberalismo, a reestruturação produtiva, o desemprego, o
aprofundamento da desigualdade social e o aumento da exclusão social, em nossa sociedade, que causam
uma crescente precarização da qualidade de vida de vários segmentos da sociedade. Essa realidade
propunha ao profissional de Serviço Social novos desafios, que deviam ser enfrentados no cotidiano de
sua prática profissional, pois as “modificações estruturais vividas pela sociedade brasileira, rebatem
diretamente no conjunto de segmentos que configuram a clientela ou os usuários dos serviços
profissionais” (Quiroga, 1999, p. 159).
Passados dez anos da implantação da proposta curricular anterior, compreendeu-se que se fazia
necessária, mais uma vez, uma profunda revisão da formação profissional, e iniciou-se, em 1994, um amplo processo de reavaliação do currículo vigente, em encontros promovidos pela ABESS em todo o
Brasil. De 1994 a 1996 foram promovidas cerca de 200 oficinas locais nas 67 unidades acadêmicas filiadas à ABESS, 25 oficinas regionais e duas nacionais. Uma nova proposta de formação foi elaborada, aprovada em Assembléia Nacional da ABESS e encaminhada ao Conselho Federal de Educação. Os cursos foram promovendo estudos para a elaboração dos currículos plenos e implantação do Novo Projeto de Formação Profissional, de acordo com as Diretrizes Curriculares.
A proposta centra-se na questão social, “entendida no âmbito da produção e reprodução da vida que
tem no trabalho o seu elemento fundante” (ABESS/CEDEPS, 1996). São diretrizes curriculares da
formação profissional: capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Isso
significa que o curso de Serviço Social deverá oportunizar um aprofundamento teórico, histórico e
metodológico da realidade social e do próprio Serviço Social. O profissional em formação deverá
apreender o significado social da profissão e ser capaz de compreender os problemas e desafios impostos
pela realidade social. Deverá também ser capaz de formular respostas profissionais e de exercer a
profissão, levando em conta as competências e atribuições previstas no Código de Ética Profissional em
vigor.
6. Apoio às lutas da profissão e aos seus questionamentos
A inserção do Serviço Social na sociedade e sua associação às lutas e movimentos políticos sempre
foi uma característica da profissão, desde os primeiros tempos, sempre que se tratava de questões
sociais. Cita-se como exemplo, mais recente, a grande participação dos Assistentes Sociais na discussão
e na aprovação da Lei da Assistência (LOAS, 1993) e na Municipalização da Assistência. Foram
promovidos seminários locais, estaduais, regionais e nacionais, envolvendo profissionais do Serviço
Social, de outras profissões da área de Bem-Estar Social, políticos, detentores de cargos públicos
eletivos e a população em geral. Houve também árduo trabalho junto ao Senado, ao Congresso Nacional,
Assembléias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais de Vereadores, na tentativa de se conseguir
leis que trouxessem o máximo de benefícios à população.
Na busca de solução para os problemas teórico–metodológicos ou de natureza interventiva, que
foram sendo enfrentados ao longo da história ou em lutas de caráter político, os profissionais do Serviço
Social sempre contaram com o apoio de diversos órgãos que, em diversos patamares, representavam a
profissão ou seus profissionais. Esses problemas e demais questionamentos foram sendo levados aos
vários eventos internacionais, sul-americanos e brasileiros, que serviam de fóruns de discussão. Entre
esses organismos situam-se órgãos federais e estaduais específicos do Serviço Social como: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS e os Conselhos Regionais de Serviço Social – CRESS; Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPESS; Associação Nacional de Assistentes
Sociais – ANAS; Associações Profissionais – AP ; Sindicatos; Centro Brasileiro de Cooperação e
Intercâmbio de Serviços Sociais – CBCISS. Entre os organismos latino-americanos citam-se:
Associação Latino-Americana de Ensino de Serviço Social – ALAESS e o Centro Latino-Americano de
Trabalho Social – CELATS.
Dentre os organismos brasileiros de apoio à pesquisa destacam-se alguns citados anteriormente,
como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); a Coordenação e
Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). Mas tem sido muito significativa também a
colaboração das fundações de amparo à pesquisa dos vários Estados, como por exemplo, a Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e a Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Estado de São Paulo (FAPESP) além de outros órgãos como o Financiamento de Estudos e
Projeto (FINEP) e o Instituto Nacional de Estudos e Projetos ( INEP).
As revistas, livros e outras documentações também deram importantes contribuições ao
processo de problematização, crítica, lutas e mudanças no Serviço Social. Podem ser citados, entre
tantos: a Revista de Serviço Social, a Revista Debates Sociais e as coleções documentárias do CBCISS
(Cadernos Verdes); a Revista Serviço Social e Sociedade; as edições de livros de Serviço Social pelas
editoras Cortez, Vozes, Brasilense, Agir, Edipucrs e outras, que cresceram muito nas últimas décadas,
refletindo, principalmente, a produção dos cursos de Pós-Graduação brasileiros, em especial os cursos de
Serviço Social; as revistas latino-americanas Acción Critica, Hoy en el Trabajo Social e todas as
publicações da Ecro e da Humanitas, divulgando as reflexões e as experiências de países da América Latina.
Considerações finais
Para discutir-se a relação entre questão social e Serviço Social no Brasil, estudou-se a intensificação
do processo de industrialização no país, após a Revolução de 1930 e o conseqüente acirramento das relações sociais próprias do sistema capitalista que culminaram com o agravamento da questão social. Nesse contexto nasceu o Serviço Social e se desenvolveram os primeiros campos de trabalho da nova profissão. Foram estudadas neste trabalho as origens históricas da profissão e o contexto histórico, social, político e econômico da sociedade brasileira, em que o Serviço Social sempre esteve inserido. Deu-se ênfase à análise das várias configurações da questão social no Brasil, desde a década de 30, do século XX, quando o Serviço Social foi aqui implantado e as tentativas de enfrentamento dos problemas a ela relacionados, através da implantação de políticas sociais. Num processo de avanços e recuos, que acompanhou o movimento dinâmico da história e enfrentando muitos desafios, essa profissão institucionalizou-se em solo brasileiro, ocupando seu espaço na divisão social do trabalho, próprio de uma sociedade capitalista.
Durante esse tempo, como está escrito no Código de Ética Profissional do Assistente Social, ocorreu
um “profundo processo de renovação” no Serviço Social, que acumulou experiências profissionais,
desenvolveu-se “teórica e praticamente, laicizou-se, diferenciou-se” e hoje “apresenta-se como profissão
reconhecida academicamente e legitimada socialmente” (CFAS, 1993, p. 9). No meio acadêmico, após
uma profunda revisão da formação profissional e amplo processo de discussão do currículo vigente,
promovido pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, foram propostas novas
Diretrizes Curriculares de Formação Profissional para o Serviço Social, que estão em implantação no Brasil.
Continuam, entretanto, os questionamentos em relação ao Serviço Social, suas possibilidades e
limites, frente aos desafios do mundo contemporâneo. De que forma essas transformações têm
repercutido na profissão? Como foram enfrentados os desafios, em seu desenvolvimento histórico, e qual
é o seu futuro? Como preparar a nova geração de Assistentes Sociais para os campos de trabalho
tradicionais, em processo de mudança, e para os campos emergentes? O objetivo da reconstituição
histórica do Serviço Social na sociedade brasileira, foi o de contribuir para os debates atuais da profissão
e de buscar respostas aos seus questionamentos em relação às mudanças projetadas para este novo
milênio.
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