Libertas, Juiz de Fora, v.4, n.1, p. 78 - 104, jul-dez / 2009 – ISSN 1980-8518
SERVIÇO SOCIAL E CULTURA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES
DE CULTURA NA TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO NO BRASIL DESDE A SUA
GÊNESE ATÉ OS ANOS 1990
Carina Moljo*
Ariane Monteiro Cunha**
RESUMO
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O presente artigo realiza uma reconstrução históricocrítica, embasada na perspectiva marxiana, sobre as
diferentes concepções de cultura presentes na trajetória histórica do Serviço Social no Brasil e como este
vem se apropriando das mesmas. Abordaremos a relação que o Serviço Social estabeleceu com a
dimensão da cultura na sua trajetória histórica, de 1930 a 1990, desvelando os processos que constituem a
cultura, analisando suas concepções e destacando sua influência na história do Serviço Social no Brasil.
Palavras-Chave: Serviço Social, Cultura, História
INTRODUÇÃO
Existe certo consenso de que o Serviço Social, enquanto profissão, emerge no Brasil, na década de 1930, como uma especialização do trabalho coletivo inserido na divisão sócio técnica do trabalho e de que, na sua intervenção, dá respostas tanto para as classes com as quais trabalha como para as classes que contratam seus serviços (IAMAMOTO, 1982). Entretanto, se este é o caminho metodológico que realizamos hoje para conhecer a profissão, quer dizer, se hoje compreendemos que a profissão somente pode ser compreendida a partir da sua inserção nas relações sociais, na totalidade maior onde ela se movimenta, nem sempre foi assim. Esta forma de abordar a profissão – que evidentemente se inscreve dentro de uma matriz de pensamento, aquela inaugurada com Karl Marx (18181883) – começa a ser hegemônica no Brasil a partir da década de 1980, fruto da renovação sob a perspectiva da
intenção de ruptura, que se processava desde finais da década de 1960 (NETTO, 1996).
_______________
* Prof. Adjunta da Fac. Serviço Social/UFJFMG. ** Assistente Social graduada na FSS/UFJFMG..
Anteriores a este período existiam outras matrizes de pensamento que eram hegemônicas no Serviço Social, tendo uma visão cronológica da história da profissão, como sucessão de fatos, baseados principalmente no positivismo nas suas diferentes versões.Como já mencionamos, será somente a partir da década de 1980, portanto, num curto período histórico, que a forma de compreender a profissão, assim como seu significado histórico e as implicações da intervenção profissional se transformará radicalmente. Como explica Yazbek
(2000), para compreender a profissão será preciso, inserila no movimento histórico da sociedade,
que é produto das relações sociais:
(...) nesta perspectiva, a reprodução das relações sociais é entendida como a reprodução da totalidade da vida social, o que engloba não apenas a reprodução da vida material e do modo de reprodução, mas também a reprodução espiritual da sociedade e das formas de consciência social, através das quais o homem se
posiciona na vida social . Dessa forma, a reprodução das relações sociais é a reprodução de determinado modo de vida, do cotidiano, de valores, de práticas culturais e políticas e do modo como se produzem as idéias nessa sociedade.
Idéias que se expressam em práticas sociais, políticas, culturais e padrões de comportamento e que acabam por permear toda a trama de relações da sociedade (YAZBEK, 2000, p.89) O Serviço Social, ao trabalhar com as classes trabalhadoras – ou como diria Yazbek com as classes subalternas – no seu viver cotidiano, sempre interveio nas formas de organizar os seus costumes, os seus modos de vida, seja de forma direta ou indireta, mas, nem sempre teve uma compreensão teórica sobre este ‘agir’. Esta visão da ação profissional mencionada pela autora supracitada considera como parte da atuação do assistente social o que costuma ser denominado como ‘mundo da cultura’¹.
Dada a relevância e pertinência do tema para os assistentes sociais e na tentativa de desenvolver e incitar o debate acerca das relações entre o Serviço Social e a cultura, neste artigo2 realizamos uma aproximação de como o Serviço Social, na sua trajetória histórica, se aproximou das concepções de cultura, partindo da sua emergência até a década de 1990.
Para a análise, dividimos o referido artigo em cinco pontos. No primeiro ponto, apresentamos as diferentes concepções de cultura presentes no Serviço Social de uma forma mais geral. No segundo ponto, trabalhamos sobre as concepções de cultura presentes na gênese do Serviço Social, sobretudo sobre a influência do positivismo. No terceiro ponto, trabalhamos sobre a década de 1950 até o golpe militar de 1964, analisando a influência das vertentes desenvolvimentistas. No quarto ponto, nos debruçamos sobre as concepções de cultura imperantes no Serviço Social, no período da ditadura militar, considerando as limitações colocadas pela Doutrina de Segurança Nacional. No quinto ponto, trabalhamos sobre o período da transição democrática até finais dos anos 1990.
Finalmente, realizamos algumas considerações gerais sobre a nossa questão central que é analisar como o Serviço Social, no seu percurso histórico, se aproximou das diferentes concepções de cultura. Como mostraremos a seguir, não separamos a esfera da cultura das demais esferas de vida social. Entretanto, nossa preocupação está centrada em analisar a esfera de cultura e as suas características, sem, por isto, isolála das demais.
CONSIDERAÇÕES SOBRE CONCEPÇÕES DE CULTURA PRESENTE NA
TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO NO BRASIL
Falar em ‘cultura’ enquanto categoria analítica requer alguns cuidados. A princípio, devemos considerar que esta categoria apresenta várias concepções. Esta vem mudando com o passar do tempo, além de mudar dependendo da matriz teórica na qual se referencia. Mas, todos concordam que é o homem quem produz ‘cultura’. Na nossa concepção, o homem é um sujeito histórico, um ser humanogenérico, que produz e se reproduz em condições determinadas, históricas, inserido numa determinada classe social. É este homem concreto o que produz a cultura, que possui uma visão de mundo, que se transforma e transforma a realidade na qual age.
Do mesmo modo, entendemos que a cultura não é estática, esta se transforma no próprio agir do homem, se transforma no processo histórico.
De acordo com Bezerra (2006), a cultura surge como esfera determinada pelo trabalho, construída como a manifestação da consciência social, só sendo possível se considerarmos uma imensa rede de relações produtivas que se estabelecem em um determinado momento histórico.
Dessa maneira, cada forma diferenciada de organização do trabalho e da vida material corresponde a um universo cultural equivalente.
Segundo Williams (1992), a palavra cultura é de origem romana, oriunda da expressão latina colere, cujo significado relacionase ao cultivo, cuidado e trabalho do homem com a natureza para preservála e tornála passível de habitação humana.
Posteriormente, estendeuse também ao cuidado com os deuses e com tudo que lhes diz respeito. Dessa forma, o avanço no trato com a palavra cultura implicou também em cultivo do espírito, através das expressões excolere animum (animar o espírito) e cultura animi (espírito cultivado) (ARENDT, 1972). A última conotação passou a ser usada como sinônimo de refinamento, educação e sofisticação pessoal, e esta foi a perspectiva que, durante muito tempo, deu maior conotação a palavra cultura.ALENCAR (1994) sinaliza que uma grande mudança se processa a partir da metade do século XVIII, junto à instauração das sociedades modernas, relacionando a categoria cultura com ‘cultura de alguma coisa’, ampliando o significado da mesma.
Por outro lado, cultura surgirá nesse período articulada à civilização, que exprimiria um estágio superior de desenvolvimento históricosocial, opondose a barbárie. Civilização interliga se à noção de progresso com um sentido figurado designando a cultura de uma faculdade humana, isto é, o fato de que era possível trabalhar intelectualmente para desenvolvêla3
(BEZERRA, 2006).
Com o surgimento da antropologia, ocorreu um resgate do termo cultura para designar os modos de vida e costumes de um povo, destacando as formas padronizadas de comportamento. A antropologia opera com um conceito de cultura referente aos aspectos que peculiarizam a existência social de um povo, nação e até mesmo de grupos sociais. É um conceito amplo porque trata da totalidade das características de uma realidade social, comportando aspectos materiais e simbólicos (ALENCAR, 1994).
Com a sociologia, adveio a abordagem que remete à categoria cultura a dimensão do onhecimento que a sociedade tem sobre si mesma e suas formas de expressão, como é o caso da arte, literatura, ciência, linguagem, etc. Esta concepção preocupase em resgatar a riqueza, pluralidade e diversidade das manifestações e elaborações dos indivíduos na práxis criadora. Segundo Williams (1992), Johann Gottfried Herder foi o primeiro a empregar o significado plural, ‘culturas’, para diferenciálo de qualquer sentido singular ou unilinear de civilização, o qual aponta para uma diversidade de culturas, onde cada cultura exprime parte da riqueza de toda a humanidade (BEZERRA, 2006). Assim, podese concluir que, nesse contexto ampliado, cultura significa um “conjunto de conquistas artísticas, intelectuais4 e morais que constituem o patrimônio de uma nação considerado como adquirido definitivamente e fundador de sua unidade.” (CUCHE, 1999 apud BEZERRA, 2006).
Williams (1992, p.13) define a cultura como um sistema de significações, “mediante o qual necessariamente uma dada ordem social é comunicada, reproduzida, vivenciada e estudada”, podendo afirmar que a cultura não constitui uma dimensão ‘ideal’ onde são produzidas as outras atividades sociais, mas forma parte essencial de todas as atividades da vida social. Portanto, a cultura pode ser compreendida como práticas significativas da totalidade de uma forma de vida, com caráter dinâmico, ativo e histórico, como o movimento das experiências de vida, pois ela apreende estruturas de relações de sujeitos experimentando e vivendo suas condições de vida.
Cultura passa a ser vista, então, como uma classificação geral de instituições e práticas que, embora sociais, constituíam significados e valores simbólicos de uma dada sociedade. Este é o sentido de cultura como um ‘modo de vida’, no interior do qual se constrói a subjetividade e o processo criativo de resposta às necessidades coletivas
(BEZERRA, 2006, p. 36).
Assim, a ‘cultura’ é entendida como parte da totalidade social, inserida na trama de relações sociais. Nesta perspectiva, a cultura é, portanto, o espaço dinâmico no qual a consciência social constrói este conhecimento e esta reflexão acerca da realidade histórica passada, presente e futura, onde o homem se percebe com novas necessidades e desafios para além da intervenção sobre a natureza. É um espaço de mediação, de intencionalidade, de construção de novas demandas coletivas a serem atendidas pela atividade produtiva. Os homens, ao desenvolverem sua produção e seu intercâmbio material, constroem sua cultura. Ao mesmo tempo, mudam a natureza, mudam sua constituição enquanto ser social, mudam
seu pensamento e os produtos deste pensamento. Fazem e refazem permanentemente sua cultura e, conseqüentemente, toda sua vida em sociedade.
A cultura constitui, assim, a resposta a necessidades e imperativos humanos não ligados, única e necessariamente, à sua reprodução física. Remete, portanto, ao aspecto da vida social concretizado no plano da práxis interativa, da relação com os outros homens e das construções coletivas processadas através desta relação (BEZERRA, 2006, p. 4546).
É dessa concepção de cultura, mais ampla e que visa à totalidade, que nos apropriamos para analisar tal categoria e sua relação com o Serviço Social brasileiro. É correto afirmar que, desde a profissionalização do Serviço Social, este trabalha com a dimensão da cultura, sobretudo como ‘moralização dos pobres’, trabalhando na mudança de hábitos e, na maioria das vezes, penalizandoos pela condição de pobreza; será somente a partir da década de 1950 do século XX, que a cultura – enquanto categoria analítica – começará a ser debatida, especialmente a partir da influência do Serviço Social de Comunidade (MOLJO, 2007).
Neste contexto, o assistente social passa a tomar consciência da importância de conhecer os costumes, os modos de vida, ou seja, a cultura dos povos ou comunidades com os quais trabalha para modernizar os traços culturais dos mesmos. Foi a partir daqui, que se compreendeu que a categoria cultura é de extrema importância para a análise da profissão, “seja para a intervenção do assistente social, para o conhecimento dos sujeitos com os quais trabalhamos, bem como para a compreensão da realidade concreta” (MOLJO, 2008, p.13).
O Serviço Social enquanto profissão voltada para a intervenção na realidade social, que compreende o homem enquanto ser humano genérico deve considerar os aspectos culturais dos mesmos, já que são estes que compõem a sua vida particular e social. Na medida em que o homem constrói a sua vida e a sua história, constrói a história da humanidade e na medida em que se transforma, também transforma a sociedade.
Assim, “refletir sobre a cultura implica ter um olhar crítico sobre a realidade, visando à ruptura
das condições estabelecidas, nas quais se reproduzem à exploração e a dominação. A cultura é a capacidade de decifrar as formas de produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das idéias e dos valores” (CHAUÍ, 2006, p. 08).
O PERÍODO DE 1930: A GÊNESE DO SERVIÇO SOCIAL
No Brasil, o Serviço Social emerge em meados dos anos 1930, como uma especialização do trabalho coletivo e inserido na divisão sóciotécnica do trabalho, procurando responder a demandas concretas, colocadas tanto pelo Estado quanto pela classe trabalhadora (IAMAMOTO, 1982). Netto (1996) expôs as particularidades históricoconcretas do surgimento do Serviço Social como profissão, mostrando que a sua gênese está relacionada aos processos econômicos, políticos e sociais constituídos no capitalismo monopolista. O Serviço Social, enquanto profissão, é perpassado por projetos sóciopolíticos distintos, dado que o terreno concreto de sua institucionalização, as políticas sociais, é permeado pelo antagonismo inerente à relação entre o capital e o trabalho.
Nesse período dos anos 1930, o Estado Novo, então instituído, defrontase com duas demandas: absorver e controlar os setores urbanos emergentes e buscar, nesses mesmos setores, legitimação política. Para isso, adota uma política de massa, incorporando parte das reivindicações populares, mas controlando a autonomia dos movimentos reivindicatórios do proletariado emergente, através de canais institucionais, absorvendoos na estrutura corporativista do Estado (SILVA E SILVA, 2006).
Nesse momento da conjuntura nacional, o Serviço Social ainda é um projeto embrionário de intervenção profissional. Apresentase como estratégia de qualificação do laicato da Igreja Católica que, no contexto do desenvolvimento urbano, vinha ampliando sua ação caritativa aos mais necessitados, para o desenvolvimento de uma prática ideológica junto aos trabalhadores urbanos e suas famílias. Procuravase, com isso, atender ao imperativo da justiça e da caridade, em cumprimento da missão política do apostolado social, em face do projeto de cristianização da sociedade, cuja fonte de justificação e fundamento é encontrada na Doutrina Social da Igreja (SILVA E SILVA, 2006, p. 2425).
Acolhendo a concepção dominante na sociedade burguesa de que os problemas sociais estavam associados a problemas de caráter, Mary Richmond – da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore, figura que exerceu importante papel na criação das escolas para o ensino do Serviço Social – concebia a tarefa assistencial como eminentemente reintegradora e reformadora do caráter. Atribuía grande importância ao diagnóstico social como estratégia para promover tal reforma e para reintegrar o indivíduo na sociedade (MARTINELLI, 1995). Sem dúvida, o positivismo foi a grande influência teórica que o Serviço Social recebeu nesse período.
Desta forma, a intervenção profissional do assistente social estava dirigida, sobretudo, as situações de “pobreza” e dos “pobres ou desajustados”. O objetivo central era leválos a um maior ajustamento à ordem social vigente. Nesse contexto, a intervenção do Serviço Social se realizava preferencialmente no âmbito individual, trabalhando sobre as “características individuais” dos sujeitos que apresentavam algum tipo de “desajuste social”. Portanto, a intervenção tinha um forte traço moralizador que se travestia de “educador”, se tratava de uma verdadeira “reforma moral”.
Conforme Verdès Leroux, o projeto profissional dos anos 30 baseavase na educação da classe operária, fornecendolhes regras de bom senso e razões práticas de moralidade, corrigindolhes seus preconceitos, ensinandolhes a racionalidade, os disciplinando nos seus trajes, seus lares, nos orçamentos domésticos, na maneira de pensar. A função do assistente social nesse período – embebido pelo militantismo católico – encontrase na missão ideológica da classe dominante, ou seja, no modelamento da personalidade do indivíduo de acordo com a visão de mundo da burguesia adaptada sob a forma de certo humanismo cristão (1986, p. 15).
Gramsci (1999), embasado nas teorias de Marx (apud SIMIONATO, 1995), afirma que a classe dominante consegue impor a sua ideologia porque além de deter a posse do Estado e dos principais instrumentos hegemônicos (escola, religião, imprensa) possui ainda o poder econômico que representa uma grande força na sociedade civil, pois controla a produção e distribuição dos bens econômicos e organiza e distribui as idéias. A força material dominante na sociedade constituise também a força espiritual dominante. Entretanto, uma força dominante pode não ser a corrente hegemônica e viceversa.
Isso acontece porque as classes sociais, no seu processo de constituição histórica, deparamse com uma infinitude de impasses e problemáticas sobre os quais articulam algum tipo de resposta. O posicionamento na estrutura social e a função que ocupam no processo produtivo são elementos fundantes na constituição e emersão das articulações de respostas, mas pode também acontecer que, diante de um problema, existam diferentes respostas, fazendo crer, nesse caso, que as visões de mundo são elaboradas em um processo de constituição histórica, do qual as classes sociais são os verdadeiros protagonistas (ALENCAR, 1994).
Nesse sentido, Michel Löwy afirma que “[...] todo conhecimento da sociedade, da economia, da história, da cultura é relativo a uma certa perspectiva orientada para uma certa visão social de mundo, vinculada ao ponto de vista de uma classe social em um momento histórico determinado” (1990, p. 195).
Segundo Gramsci, nos cadernos do Cárcere (1999), [...] uma classe social, mesmo tendo uma concepção de mundo embrionária e desarticulada, toma emprestada de outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que lhe é estranha, e a segue não tanto porque acredita nela, mas porque a sua conduta não é independente e autônoma (apud
SIMIONATO, 1995, p. 80).
Libertas, Juiz de Fora, v.4, n.1 , p. 78 - 104, jul-dez / 2009 – ISSN 1980-8518 Dessa forma, nesse período, o Serviço Social assumiu uma faceta ‘humanitária’, por trás da qual se escondiam interesses repressivos e de controle sobre o movimento operário, em concordância com o Estado e a burguesia, os quais procuravam implementar políticas assistenciais, e até mesmo paternalistas, capazes de atuar como fatores de desmobilização do proletariado. Todo esse esforço da classe dominante dirigiase a um objetivo: bloquear o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado e sua organização política.
Portanto, podemos afirmar que, desde a sua origem, a ‘cultura do Serviço Social’ se encontra permeada pela herança da ‘tutela’, da moralização dos pobres, (MOLJO, 2007), tendo recebido uma grande influência do pensamento europeu, sobretudo, do francobelga, da doutrina social da igreja católica e posteriormente do positivismo que Iamamoto (1982) denominou como ‘arranjo teórico – doutrinário6’.
No Brasil, a primeira expressão original do Serviço Social surge em 1932, em São Paulo, o chamado Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), o qual tinha por objetivo promover a formação de seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e fundamentar sua ação nessa formação doutrinaria e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais. Visava tornar mais eficiente a atuação das trabalhadoras sociais e adotar uma orientação definida em relação aos problemas a resolver, favorecendo a coordenação de esforços dispersos nas diferentes atividades e obras de caráter social. Nesse contexto, em 1936, é fundada pelo CEAS, a Escola de Serviço Social de São Paulo, a primeira do Brasil7. Como sinaliza VerdèsLeroux (1986), os assistentes sociais da década de 1930, eram mais ricos em ‘capital cultural herdado’, pois seu discurso possuía a cultura adquirida no ambiente familiar, mantendo certo afastamento da ‘cultura cultivada’, entendida como o próprio conhecimento. Estas se predispunham a uma apreensão moralizadora das soluções materiais, intrínseca aos valores da Doutrina Social da Igreja Católica. A prática do assistente social basicamente estava fundamentada na ação da ‘reeducação’ da classe operária, ensinandolhes regras de bom senso e moralidade, modelando a personalidade dos indivíduos.
Retomando as palavras de Bezerra, a “cultura passa a designar o estado de espírito
cultivado pela instrução, passa a constituir o termo cujo adjetivo é ‘culto’, e não ‘cultural’”
(BEZERRA, 2006, p. 33)
O PERÍODO 1950-1964: DO DESENVOLVIMENTISMO AO GOLPE DE ABRIL
Partimos do pressuposto de que as transformações societárias afetam o conjunto da vida em
sociedade e incidem diretamente sobre as profissões e suas áreas de atuação (NETTO, 1996);
estas transformações se operam não apenas no campo da materialidade, mas também no âmbito
de reprodução das relações sociais, portanto também afetam a dimensão da cultura.
Durante as décadas de 1950 e 1960, tendo como pano de fundo o panorama sóciopolítico
e econômico do Brasil, o Serviço Social sofreu alterações substantivas reveladas nas demandas
práticointerventivas, na sua inserção nas estruturas organizacionalinstitucionais, nos conteúdos
da formação acadêmica e nos seus referenciais teóricoculturais e ideológicos. Os
desdobramentos ou conseqüências de todos esses processos no interior da profissão, detonados
por elementos relacionados à dinâmica sóciopolítica e econômica do período, impuseram ao
Serviço Social “uma diferenciação e uma redefinição profissional sem precedentes” (NETTO,
1996).
Neste período, o Serviço Social passa a ter uma presença significativa no projeto de
desenvolvimento nacional quando, durante a década de 1950, a Organização das Nações Unidas
(ONU) e outros organismos internacionais decidem sistematizar e divulgar o programa de
Desenvolvimento de Comunidade (SILVA E SILVA, 2006), incluído na proposta de
desenvolvimentismo adotado pelo governo Juscelino Kubitschek (19501955).
O programa de Desenvolvimento de Comunidade pautase por uma visão acrítica e aclassista
que se sustenta em pressupostos de uma sociedade harmônica e equilibrada, percebendo a comunidade
como unidade consensual, cujo objetivo seria a união dos esforços do povo aos do governo, enquanto
estratégia para chegar ao desenvolvimento, assumida como a modernização das estruturas, mediante uma
mudança cultural controlada (SILVA E SILVA, 2006, p. 26).
O desenvolvimentismo coloca a pobreza como ‘mal geral’ que atinge a toda sociedade e
não um fenômeno social particular de uma classe ou de determinados segmentos sociais, cuja
superação estava fundamentada no caminho do crescimento econômico, da modernização da
cultura, da tecnologização, etc. Dessa forma, era necessário atingir toda a sociedade, sendo,
Libertas, Juiz de Fora, v.4, n.1, p. 78 - 104, jul-dez / 2009 – ISSN 1980-8518
portanto convocado o ‘povo’ a participar do esforço de construção de uma nova sociedade
desenvolvida e moderna.
Com o advento do desenvolvimentismo no Brasil, a categoria cultura ganhou maior
destaque nos debates da profissão devido principalmente à aplicação do Serviço Social de
Comunidade. Tal processo preocupavase, sobretudo, com a ‘cultura do atraso’, ou com as pautas
ou costumes que eram considerados ‘atrasados’, que os desenvolvimentistas relacionavam
principalmente com a cultura rural, que continuava existindo mesmo quando as pessoas
migravam para as cidades. Os grandes centros urbanos eram o símbolo da modernização e para
que todos pudessem alcançála era preciso educar e modernizar, retirar os pólos de atrasos para
substituílos por pólos modernos.
Nesta época, acreditavase que uma das variáveis que fazia reproduzir o ciclo de pobreza
era justamente a ‘cultura do atraso’ dos setores populares. É muito importante salientar que, neste
período, o acesso à cultura, mas, sobretudo a mudança de padrões culturais, era considerada
como fundamental para o crescimento da Nação, portanto, o papel que os assistentes sociais
assumiam para si, era fundamental, já que serão estes um dos principais responsáveis por tais
mudanças.
Como já mencionamos, o Serviço Social teve que se adaptar a nova conjuntura e se
preparar, sobretudo tecnicamente, para as novas tarefas que lhe eram colocadas. Assim passou a
se definir como um profissional técnico e eficiente que devia enfrentar os problemas sociais que
derivavam das situações de pobreza, privilegiando o trabalho junto às comunidades e procurando
trabalhar nas ‘deficiências culturais’ que estas apresentavam (MOLJO, 2007). Esta nova proposta
para o Serviço Social ficou evidenciada no II Congresso Brasileiro de Serviço Social, realizado
em 1961. Aqui vemos claramente como se vincula ao desenvolvimento da Nação difundido pelo
então presidente Jânio Quadros:
[...] o processo de desenvolvimento que almejamos enseja a participação do homem na
solução de seus problemas, tornandoo agente de seu próprio bemestar. É aí que o
Serviço Social se transforma num instrumento de democracia ao permitir a verdadeira
integração do povo em todas as decisões da comunidade. Os programas de
desenvolvimento comunal [...] constituem hoje meio eficaz para a consecução dos
objetivos nacionais, pois que despertam vocações adormecidas, estimulam as iniciativas
individuais e asseguram a participação efetiva do homem no meio social que lhe está
mais próximo, no estudo e na solução dos seus problemas
(apud WANDERLEY, 1998, p. 27).
Como podemos observar, é atribuída ao Serviço Social, no governo supracitado, a tarefa
de incrementar programas de desenvolvimento comunitário que possam favorecer a mudança
cultural do povo. A tarefa proposta ao Serviço Social é fazer com que a população aceite o
desenvolvimento proposto pelo Estado baseado na moralização, justiça social e solidariedade,
racionalização de recursos, aumento da produtividade e estímulos ao desenvolvimento das áreas
de saúde, educação e trabalho.
No início da década de 60, pois, começamos a assistir às crises das formas tradicionais
da profissão, com o Serviço Social se nutrindo de referenciais teóricoculturais e de
expressões ideopolíticas vinculadas às dimensões democráticas da vida social brasileira.
Esse movimento tem como cenário o processo democrático que atravessa a sociedade
no início dos anos 60 (ALENCAR, 1994, p. 3334).
Referente ao Serviço Social – por ser perpassado por projetos sóciopolíticos distintos,
sendo, portanto, atravessado por perspectivas políticoideológicas, e também por estar situado em
relações sociais concretas, das quais a cultura é elemento essencial – acreditase que a profissão
tenha, em alguma medida, se aproximado das problemáticas que se exprimiam através de temas
ou temáticas nas produções culturais do período e que tenham se apresentado também nos foros
próprios da profissão.
A partir dos anos 1950, já se observam mudanças significativas no Serviço Social,
analisadas por Iamamoto e Carvalho (1982): abrese novo e crescente campo de trabalho para o
Serviço Social nas grandes empresas; o Serviço Social acompanha a modernização das
instituições públicas, migrando para prefeituras e participando de programas sociais com a
população rural; a profissão alcança maior nível de sistematização nas instituições sociais e
assistenciais; a ampliação do reconhecimento profissional por entidades de base nacional, como
Legião Brasileira de Assistência (LBA), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI); incorporação de novos métodos de atuação como o Serviço
Social de grupo e a dinâmica de grupo; aprofundamento da influência norteamericana no Serviço
Social; realização de diversos encontros internacionais.
Dentro de toda essa reestruturação social, ocorrem ainda mudanças no foco profissional
do Serviço Social: a profissão começa a ser discutida no âmbito macrossocietário, ultrapassando
a abordagem localista de até então, inserindo o assistente social em equipes multidisciplinares.
Essa adoção da abordagem comunitária enquanto ‘processo’ profissional pelo Serviço Social não
transcende o ‘tradicionalismo’, mas constituise em um marco para tal ultrapassagem.
Dessa forma,
[...] o desgaste do Serviço Social tradicional foi um fenômeno continental: a
movimentação sóciopolítica contestadora que emerge na sociedade com incidência no
terreno ideocultural, na prática dos setores vinculados a Igreja e no movimento
estudantil fertilizavam o Serviço Social e contribuem para a emersão de um novo
projeto profissional, que nem de longe foi um projeto unitário e homogêneo,
evidenciando projetos distintos: se inicialmente inscreviase no bojo da proposta
desenvolvimentista – com a profissão buscando redimensionarse, teórica e
praticamente, para atender a superação do subdesenvolvimento – no decorrer do
movimento incorporamse parâmetros teóricoanalíticos de inspiração marxista
(ALENCAR, 1994, p. 331).
No período 19611964 no Brasil, se inicia o desenvolvimento de uma perspectiva crítica
ao Serviço Social ‘tradicional’, quando os setores da categoria profissional dos assistentes sociais
esboçam algumas tentativas aos processos de lutas por mudanças. “Esses profissionais são
impulsionados por uma profunda agitação política que ganha força no Brasil e em toda a América
Latina, ante a crise do modelo desenvolvimentista, gerando frustrações em amplos setores”.
(SILVA E SILVA, 2006, p. 27).
Nos anos pré64, ocorrem ainda algumas mudanças também no que tange a mobilização
da sociedade civil brasileira. O proletariado urbano e rural vê sua relação de forças com a
burguesia modificada e, em conjunto com outras frações das classes subalternas, organizase e
adquire força reivindicatória por direitos e mudanças.
A Igreja Católica também foi atingida pelos efeitos das transformações sociais.
Estruturaramse divergentes visões de mundo e perspectivas de ação, divergentes concepções
sobre a missão da Igreja perante instituições, grupos e etc. Consequentemente, o Serviço Social,
que sempre manteve historicamente vínculos com a Igreja Católica, recebe influências de seus
novos direcionamentos, introduzindo modificações no desenvolvimento de comunidade presente
nos cursos de formação, nos currículos e na prática do assistente social. O movimento estudantil
aliase a esse processo, exigindo dos profissionais do Serviço Social um engajamento efetivo da
profissão no que se refere às reformas postuladas por estudantes, operários, intelectuais e o
próprio governo
Nesse período, a história da cultura no Brasil apresentavase rica, incorporando, pelo
menos até 1968, um movimento cultural que busca inspiração em posicionamentos democráticos
e progressistas. Acreditase que, nos anos 19601964, tenha se apresentado um projeto cultural de
inspiração nacionalpopular8, permeado por uma visão de mundo crítica e democrática, e que se
expressava nas mais distintas esferas da cultura (teatro, cinema, pensamento social, etc.).
Através das discussões, conferências, encontros, etc., manifestamse interpretações da
realidade brasileira, tentativas de explicação da estrutura sócioeconômica e, também,
apresentamse soluções e saídas para a ultrapassagem do desenvolvimento rumo a um amplo
desenvolvimento da nação. Entretanto, quando tudo parecia caminhar para uma mudança efetiva
na prática do Serviço Social nessa época, sobreveio o golpe de abril.
O PERÍODO 1964-1985: A DITADURA MILITAR
Existe uma vasta bibliografia sobre o período da ditadura militar no Brasil, portanto não
realizaremos uma análise minuciosa sobre esta, mas, colocaremos alguns elementos que são
fundamentais para compreender o Serviço Social e a cultura neste período. Entre os estudiosos da
autocracia burguesa no Brasil, existe um consenso acerca da existência de diferentes momentos
que a compuseram9, dos quais poderíamos citar: a) 1964 a 1968, com a definição das bases do
Estado de Segurança Nacional*0 a formação de novos mecanismos de controle e reforma
constitucional; a institucionalização do novo Estado e sua grande crise em 6768, quando da
instituição do AI5; b) de 1969 a 1974, o mais rígido da ditadura militar, conhecido como período
negro; c) de 1974 a 1985, da distensão à lenta retirada dos militares da cena política e a anistia
política.
No que diz respeito ao mundo da cultura, a autocracia burguesa procurou controlar a vida
cultural no país1*, considerando que o pensamento mais crítico era o que dominava a cena
cultural, a autocracia teve que trabalhar em duas direções bem definidas: repressão do
pensamento crítico¹² e criação de um bloco cultural funcional a seu projeto modernizador
(NETTO, 1996).
Assim uma das estratégias adotadas pela autocracia burguesa foi o de Desenvolvimento
de Comunidade, tendo como principal função eliminar a resistência cultural às inovações,
enquanto obstáculos ao crescimento econômico, bem como integrar as populações aos programas
de desenvolvimento¹³. Era uma modernização que implicava a mudança de hábitos, de costumes
entre outras, mas lembremos que, como afirma Netto (1996), a política cultural da ditadura
também procurou manter algumas características típicas da sociedade brasileira como o elitismo,
o que, sem dúvida, favorecia a manutenção da sociedade desigual e excludente, além de continuar
com as decisões pelo alto, a concentração de renda e de propriedade. Assim, uma vez instalada a
ditadura militar, esta teve como objetivo reprimir as vertentes mais críticas do mundo da cultura.
Nesse contexto, através do AI5, se ‘institucionaliza’ a tortura como meio de conseguir
informação, de institucionalizar a repressão, o desaparecimento de pessoas, como estava
acontecendo na maior parte da América do Sul. Foi a partir do AI5 que a ditadura passou de ser
um regime reacionário para um regime fascista (NETTO, 1996), criando uma verdadeira cultura
do medo que levava as pessoas a temerem intervir no espaço público.
Como já sinalizamos, além de reprimir, ele precisou criar um bloco cultural que atendesse
aos interesses do novo regime e como a modernização, necessariamente implicava numa
modernização econômica, o Estado investiu num tipo de profissional, que fosse técnico, eficiente
e, sobretudo ‘asséptico’.
O padrão intervencionista do Estado brasileiro gestado no pós1930, se intensifica durante
esse período, no qual o Estado não somente intervêm na área social como controla a relação
capitaltrabalho, controla os sindicatos e institui políticas salariais, transformandose numa
espécie de grande empresário, que passa a assumir e a dinamizar os setores estratégicos da
economia para que o país atinja um novo patamar de industrialização (SILVA E SILVA, 2006). É
importante salientar que:
no regime militar, a questão social foi enfrentada pelo binômio repressãoassistência,
ficando a assistência subordinada aos preceitos da Doutrina de Segurança Nacional,
funcionando como mecanismo de legitimação política do regime. Os serviços sociais
são, ainda, assumidos como campo de investimento, com subordinação da assistência
pública à reprodução do capital, fazendo com que as questões sociais sejam
transformadas em problemas de administração, com burocratização e esvaziamento do
seu conteúdo político. Todavia, contraditoriamente, a assistência tornase, no âmbito
das lutas políticas dos setores populares, uma forte demanda da própria classe na luta ela conquista da cidadania, em face do agravamento da pauperização dos
trabalhadores (SILVA E SILVA, 2006, p. 38).
Desta forma, neste contexto, novas demandas são colocadas para o Serviço Social, que já
não consegue responder com a sua antiga formação e atuação, produzindose o que Netto (1996)
denominou como a erosão do Serviço Social Tradicional¹4, abrindo espaço para a Renovação do
Serviço Social no Brasil. Netto entende a Renovação do Serviço Social como
o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa,
o Serviço Social articulou, à base do rearranjo das suas tradições e da assunção do
contributo de tendências do pensamento social contemporâneo, procurando investirse
como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de
respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a
remissão às teorias e disciplinas sociais (NETTO, 1996, p. 131).
É importante destacar que o autor explicita três vertentes que fizeram parte do processo de
renovação do Serviço Social a saber: a modernização conservadora, a atualização do
conservadorismo e a Intenção de Ruptura.
A perspectiva da modernização conservadora constituiu a primeira expressão do
processo de renovação do Serviço Social. Sua formulação é afirmada nos resultados do primeiro e
segundo “Seminário de Teorização do Serviço Social”, os quais apresentam seus textos finais
sintetizados nos Documentos de Araxá (1967) e Teresópolis (1970). As concepções formuladas
nesses documentos vinculadas à problemática do desenvolvimento, visualizado como um elenco
de mudanças que, levantando barreiras aos projetos de eversão das estruturas socioeconômicas
nacionais e de ruptura com as formas dadas de inserção na economia capitalista mundial,
demanda aportes técnicos elaborados e complexos – além da sincronia de ‘governos’ e
‘populações’ – com uma conseqüente valorização da contribuição profissional dos agentes
especializados em ‘problemas econômicos e sociais’ (NETTO, 1996).
A segunda vertente da Renovação foi a reatualização do conservadorismo que se
expressa nos Seminários de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1984). Esta perspectiva recusa
tanto do positivismo quanto do marxismo e assume a perspectiva baseada na fenomenologia.
A terceira Perspectiva foi a de Intenção de Ruptura, que emerge no quadro da estrutura
universitária brasileira na primeira metade dos anos setenta, tendo como cenário a Escola de
Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais¹5.
Conforme Netto (1996), tal perspectiva confrontase com a autocracia burguesa no plano
teóricocultural (os referenciais de que se amparava negavam as legitimações da autocracia), no
plano profissional (os objetivos de se propunha chocavamse com o perfil do assistente social
requisitado pela modernização conservadora) e no plano político (suas concepções de
participação social e cidadania, bem como suas projeções societárias, batiam contra a
institucionalidade da ditadura).
Essa corrente levantou a necessidade de que a profissão se debruçasse sobre a produção de
um conhecimento crítico da realidade social, para que o próprio Serviço Social pudesse construir
os objetivos e (re)construir objetos de sua intervenção, bem como responder às demandas sociais
colocadas pelo mercado de trabalho e pela realidade. Assim, pôde o Serviço Social aprofundar o
diálogo crítico e construtivo com diversos ramos das Ciências Humanas e Sociais (SOUSA,
2008). A intenção de ruptura fez pela primeira vez o diálogo com o marxismo e posteriormente
com o legado marxiano.
Será a partir deste período que o Serviço Social começará a ter polêmicas, o que
necessariamente levarão ao pluralismo teórico e ideológico (NETTO, 1996), assim como à
utilização das diferentes matrizes do pensamento social.
A primeira (modernização conservadora) recorrerá às vertentes modernizantes, dando à
cultura um elemento dinamizador da sociedade em prol do desenvolvimento econômico. A
reatualização do conservadorismo recorrerá à fenomenologia e verá na cultura um elemento do
sujeito ‘individual’, partindo da metodologia dialógica; e finalmente temos a Intenção de Ruptura
que entenderá a cultura como a cultura do povo e a necessidade da mobilização social em prol das
mudanças sociais.
A expressão ‘cultura do povo’ teria a vantagem de permitir uma leitura da frase
de Marx acerca das idéias dominantes enfatizando o termo ‘dominante’, isto é,
do fato de que a existência de idéias dominantes são as da classe dominante e
que seu contrário deve existir, ou seja, as idéias dos dominados enquanto parte
de uma cultura dominada [...] Significado da luta, pois é uma luta contra a
opressão, uma luta que exprime um único desejo e pelo qual o oprimido se
diferencia radicalmente do opressor: o desejo da nãoopressão (CHAUÍ, 1985,
p. 122).
Um fato que não podemos deixar de mencionar foi o III Congresso Brasileiro de
Assistentes Sociais (CBAS), denominado “Congresso da Virada” realizado na cidade de São
Paulo em 1979. Neste congresso, os segmentos mais críticos dos profissionais – articulados a luta
mais ampla da classe trabalhadora e a luta pela volta da democracia – conseguiram instaurar o
pluralismo teórico, político e ideológico rompendo com o conservadorismo que imperava até
então.
A mesa do congresso foi assumida por sindicalistas, retirando os representantes da
ditadura da mesma. A partir daqui, os projetos societários em disputa ficam claramente divididos.
Fica evidente que esta virada somente foi possível pela reinserção da classe operária na cena
política, pelo auge dos movimentos sociais nos quais os assistentes sociais se incorporaram ou
aderiram.
Se a ditadura militar intentou, através da Doutrina de Segurança Nacional, calar quaisquer
vetores críticos, temos, na verdade, a partir dos finais dos anos 1970, o movimento contrário ao
esperado pela ditadura. O que aconteceu foi a politização dos vetores críticos da sociedade:
quanto mais se fechavam os caminhos da expressão, mais se politizaram estes setores.
Assim, estes vetores críticos no interior do Serviço Social deram a primeira contribuição
para a construção da Intenção de Ruptura com o Conservadorismo, a construção de um projeto
ético político emancipatório, com uma clara direção política que amadureceu na década de 1990,
como veremos a seguir.
A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA E OS ANOS 1990
O período posterior à ditadura, conhecido como Nova República e que compreende os anos de
1986 a 1990, foi marcado por uma ampla participação e mobilização da sociedade e, no caso do
Serviço Social, não foi diferente. Este período também foi caracterizado por uma ampla
participação da categoria profissional, não somente na sua reorganização interna, mas também na
esfera pública. Expressão desta participação foi a importância que o Serviço Social teve na
aprovação de algumas leis na Constituinte de 1988, a exemplo, podemos citar, da Lei Orgânica
de Assistência Social, entre outros. Abreu (2002) ressalta que o protagonismo político dos
assistentes sociais brasileiros na Constituinte de 1988, foi fundamental, sobretudo, para a
incorporação da Política de Assistência Social ao campo dos Direitos Sociais, mas isso não
significou a superação das práticas assistencialistas e filantrópicas. O protagonismo dos
assistentes sociais também foi fundamental em outras políticas, como aquelas destinadas às
crianças e adolescentes, dentre outras.
Mas, não podemos desconhecer o contexto em que a Constituinte estava se realizando,
um contexto marcado por profundas transformações estruturais, que levaram ao agravamento da
questão social. Foi neste período que tivemos a instauração do neoliberalismo¹6 no Brasil, da
reestruturação produtiva, que impôs novas formas de organizar o trabalho como a flexibilização
(HARVEY, 1989), a reforma administrativa no âmbito do Estado, denominado por Behring
(2003) como contrareforma. Foi, portanto, um contexto adverso à concretização efetiva dos
direitos sociais que como já observamos, eram garantidos nesta mesma época na constituição de
1988.
Foi nesse período que o Serviço Social ganhou “maturidade intelectual” (Yazbek, 2000)
se confrontando ante este tipo de sociedade de forma tanto política como teórica. As produções
do Serviço Social brasileiro ganham reconhecimento não somente dos seus pares das ciências
sociais no Brasil como no nível latinoamericano e internacional. Será nesse contexto que o
projeto ético político do Serviço Social, originado nos finais dos 1970, ganhará hegemonia no
Serviço Social.
O projeto éticopolítico tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor
ético central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher
entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e
plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional
vinculase a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social,
sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. A partir destas escolhas que o
fundam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do
arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo tanto na
sociedade como no exercício profissional. (NETTO, 1999, p. 104105).
A hegemonia deste projeto se expressa nas diretrizes curriculares da ABEPSS, nas
direções da categoria profissional, na direção do ENESSO.
Braz (2008) entende o projeto ético político como
uma projeção coletiva que envolve sujeitos individuais e coletivos em torno de uma determinada valoração ética que está intimamente vinculada a determinados projetos societários
presentes na sociedade que se relacionam com os diversos projetos coletivos (profissionais ou não) em disputa na mesma sociedade.
Com relação à cultura, podemos observar que será a partir da redemocratização política
que ressurgirá um novo interesse das ciências sociais em geral e do Serviço Social pelo estudo
acerca da participação, especialmente pela participação política, um interesse pelo estudo da
cultura política, especialmente pelo estudo do patrimonialismo que estava presente na maioria das
políticas públicas brasileiras.
Isto fica evidente quando, numa outra pesquisa¹7, nos debruçamos acerca da produção de
conhecimento do Serviço Social com relação à cultura. Nessa pesquisa, observamos que
majoritariamente a categoria cultura se relaciona com as Políticas Sociais. Este dado confere com
a concentração das linhas de pesquisa dos Programas de Pósgraduação, apresentada por
Iamamoto no ENPESS em 2004. No que se refere à concepção de cultura, observamos que esta
se relaciona principalmente ao conceito de hegemonia que supõe a dominação e se relaciona à
cultura subalterna presente nas classes com as quais o Serviço Social trabalha. Também aparecem
as concepções que priorizam a análise da cultura política nas suas manifestações contemporâneas,
relacionandose tanto com a política pública, quanto com o Serviço Social.
Nessa conjuntura, apesar dos dilemas que o Serviço Social enfrenta, registramse avanços
para a profissão, tais como: avanço no debate teórico sobre questões que nortearam o Movimento
de Renovação, procurando resgatar o Estado enquanto espaço de trabalho dos assistentes sociais
e procurando superar a concepção da assistência social como assistencialismo, situandoa como
um direito do cidadão e dever do Estado; avanço das questões acadêmicas, com o
reconhecimento do CNPq em 1982 como uma área de produção de conhecimento; a criação do
Centro de Documentação e Pesquisa em Política Social e Serviço Social (CE – DEPSS), em
1987; avanço da organização interna da categoria profissional e sua relação com a organização
mais geral dos trabalhadores; ampliação da participação políticopartidária dos assistentes
sociais; desenvolvimento de avaliação do processo de formação profissional, a partir do currículo
mínimo em vigor; maior articulação do Serviço Social brasileiro com a realidade latino
americana e do Serviço Social no continente.
Em contrapartida, questões significativas precisam ser consideradas: a perspectiva de
estreitamento do mercado de trabalho para o assistente social, em face da tendência de
privatização das políticas sociais e redução do espaço público; a transferência de programas
assistenciais diretamente para entidades populares e ampliação de medidas assistenciais no
interior de empresas privadas, desvinculadas da ação profissional do assistente social (SILVA E
SILVA, 2006).
Essa conjuntura econômica, política e social configurada no Brasil da década de 90
repercute diretamente na atuação do assistente social na sociedade e no Serviço Social enquanto
profissão. Com a redução dos programas e recursos para a área social, a possibilidade de
estreitamento do mercado de trabalho é fator concreto. Os movimentos populares, grandes
estimuladores para o repensar permanente do Serviço Social, vivenciam momentos de refluxo
neste período de crise econômica, ideológica, social, política e cultural (SILVA E SILVA, 2006).
A partir dos anos 90, as estratégias políticoculturais acionadas pelas classes fundamentais na luta
(instaurada nas últimas três décadas do século XX)pela hegemonia no Brasil tensionaram as
bases históricas da função pedagógica do Serviço Social, com uma nova onda de
conservadorismo.
Nesse período, intensificase a implementação do projeto neoliberal no Brasil e os
direcionamentos das lutas das classes subalternas passam a tensionar a construção do projeto
profissional.
explicitandose nos debates no processo de revisão curricular, que culmina com as
diretrizes curriculares de 1996, materializadas, sobretudo nas divergências quanto à
explicitação ou não da direção social da formação profissional face à postura pluralista
assumida pelo referido projeto (ABREU, 2002, p. 154).
Será nesse quadro que se “reatualizará uma vez mais” o conservadorismo, agora com a
cara do “pósmoderno”, com um discurso do “efêmero”, do fim da história, o fim das lutas
sociais. Fukuyama (2004) foi um daqueles que anunciaram que, com a queda do muro de Berlim
e com o fim da União Soviética, havia chegado o “fim da história” e outros autores não se
cansaram de repetir que as grandes narrativas tinham chegado ao seu fim já que estas não
conseguiam compreender nem os sujeitos e muito menos a realidade social, privilegiando os
pequenos acontecimentos, os pequenos discursos¹8.
Neste mesmo campo, encontrase Lyotard, com a sua tese pósmoderna, afirmando que os
grandes relatos, típicos das sociedades ocidentais, foram substituídos por “jogos de linguagens”
“flexíveis” e “ajustáveis”. (In LOWY, 2006:15) Estas “teses” foram derrocadas pela própria
história, pelo movimento mesmo da história.
Entretanto, podemos observar, ainda que muito timidamente, que estas teses vem
“chegando ao Serviço Social”, mas estas são ainda observações que merecem um tipo de análise
mais profunda.
Portanto, os anos 90 representaram um momento de inflexão no Serviço Social, já que
todo o avanço teóricometodológico e político que vinha se erguendo enfrentava a hegemonia das
políticas neoliberais que se chocavam diretamente com o projeto éticopolítico porque as políticas
do neoliberalismo deixam de lado os valores universais e emancipatórios baseados numa cultura
política que busca a emancipação do homem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para analisarmos a cultura devese considerar determinada ordem social e suas
características bem como considerar a dimensão histórica de um determinado traço cultural. O
estudo da cultura permite a compreensão das relações entre as diversas práticas sociais e como as
mesmas são vividas e experimentadas, como totalidade, em um determinado período histórico
pelos diversos sujeitos sociais.
Para os estudos sobre os momentos históricos da profissão, foram colocadas aqui as
demandas para o Serviço Social e as respostas que a categoria tem sido capaz de formular,
apresentando também as concepções de cultura presente em cada período histórico.
Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua
capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de
preservar e efetivar direitos a partir de demandas emergentes do cotidiano. Devido a isso, a
categoria cultura tornase importantíssima para a análise da profissão, pois está associada à
intervenção profissional, ao conhecimento dos sujeitos com os quais trabalhamos e também se
encontra relacionada à compreensão da totalidade da realidade concreta.
Portanto,
cultura significa, neste sentido, um “modo de vida global” de determinado povo ou
grupo social, compreendendo um conjunto de elementos (valores, costumes, tradições,
símbolos, representações e referências) que constroem, em torno de uma coletividade,
um parâmetro dinâmico de identidade. Neste sentido, se fala da “cultura de diferentes
povos ou grupos”, a qual possibilita, entre eles, ao mesmo tempo, um elemento de
inclusão e outro de exclusão, quando se compartilha ou não de uma mesma cultura
(BEZERRA, 2006, p. 37).
Observamos que, muitas vezes, o Serviço Social, como outras profissões, não recuperam
esta dimensão na hora de planejar uma determinada política, de organizar uma atividade inclusive
na hora de distribuir uma cesta básica. Como exemplo, citamos uma pesquisa realizada no ano de
2002, a partir de um convenio entre o Instituto de estudos especiais da PUC/SP e um governo
estadual, que avaliava os programas sociais desse Estado, tendo como carro chefe dos programas
sociais o Bolsa Alimentação, uma cesta básica que era idêntica para pessoas que moravam na
cidade como para os índios que moravam na aldeia. O que observamos foi um fracasso neste tipo
de trabalho, já que além de não fornecer os nutrientes que os índios precisavam, davam alimentos
enlatados que ao serem jogados no chão, acabaram por ferir os índios que não tinham sido
vacinados, o que trouxe outros tipos de problemas, que poderiam ter sido evitados se no
momento de programar quaisquer tipos de atividades, levassem em conta as particularidades
históricas e culturais das populações com as quais trabalhamos.
Dito de outra forma, as respostas que os profissionais constroem para responder às
demandas que lhes são colocadas, não somente de forma individual, mas, sobretudo, coletiva,
expressam projetos profissionais, que se orientam por uma determinada concepção de profissão e
de sociedade, que incluem valores e visões de mundo.
Será a partir da década de 80 que a perspectiva crítica, influenciada por Marx e a tradição
marxista, ganhará hegemonia no Serviço Social brasileiro, trazendo uma nova concepção de
profissão, portanto novos horizontes para a intervenção do Serviço Social.
Estamos nos referindo fundamentalmente à nova concepção trazida por Iamamoto (1982)
que entende a profissão situada no contexto das relações sociais e na divisão sócio técnica do
trabalho e que procura conhecer a relação orgânica entre sociedade e Serviço Social, portanto
entre as classes sociais.
Ao entender que o Serviço Social se insere na reprodução da vida social, entende que isso
implica não somente a reprodução biológica, mas também ideológica que, sem dúvida, engloba a
cultura aos modos de vida. Reafirmamos uma vez mais que, para o Serviço Social, conhecer esta
dimensão é fundamental, já que nos auxiliará tanto na nossa intervenção como nas produções
teóricas que realizemos.
SOCIAL WORK AND CULTURE: CONSIDERATIONS ABOUT CONCEPTIONS OF
CULTURE ON THE TRAJECTORY OF THE PROFESSION IN BRAZIL FROM THE
BEGINNING TO 90´S
ABSTRACT
__________________________________________________________________________________
This article provides a historicalcritical reconstruction grounded in the Marxist perspective on the
different conceptions of culture present in the historical trajectory of Social Work in Brazil and how this
area has appropriated them. We address the relationship that Social Work established with the dimension
of culture in its historical path, from 1930 to 1990, revealing the processes that constitute the culture,
examining their views and highlighting its influence on the history of social work in Brazil.
Keywords: Social Work, culture, history
Notas:
¹ O termo ‘mundo da cultura’ foi divulgado por alguns marxistas italianos. Estes se referiam principalmente às
manifestações, representações e idéias que se constituem na sociedade capitalista contemporânea e envolvem a
elaboração estética, a pesquisa científica, a reflexão sobre o ser social e a construção de concepções de mundo
(NETTO, 1996).
² O texto que aqui apresentamos tem como base o trabalho de conclusão de curso de Ariane Monteiro Cunha (2009)
realizado sobre a orientação da prof.ª Carina Berta Moljo e a pesquisa coordenada pela prof. Moljo (2008) sobre esta
temática.
³ Segundo Bezerra (2006, p. 39), “virá da contribuição gramsciana, um importante avanço nesta compreensão de
cultura, ao afirmar que a capacidade de trabalho intelectual é inerente ao homem, que a vivencia e a desenvolve de
diferentes maneiras, de acordo com as condições históricas nas quais vive”.
4 Fazse necessário registrar também a compreensão de cultura num sentido mais restrito, qual seja, o da produção
artística e intelectual de determinada sociedade. A arte e a vida intelectual explicam e explicitam a cultura, sendo, ao
mesmo tempo, determinadas por ela. Ao longo de toda a história da arte, podemos observar como ela sempre foi um
forte instrumento ideológico, respondendo a projetos societários diferenciados e, ao mesmo tempo, expressando as
relações sociais que dão vida a estes projetos. Este uso do termo cultura, longe de uma perspectiva menos
importante, constróise na vida social, portanto, como espaço de reflexo e de mediação (BEZERRA, 2006).
5 Iamamoto (1982) entende o ‘arranjo teórico – doutrinário’ como a junção do discurso humanista cristão com o
suporte técnicocientífico inspirado na teoria social positivista, abrindo para a profissão o caminho do pensamento
conservador.
6 Iamamoto (1982) entende o ‘arranjo teórico – doutrinário’ como a junção do discurso humanista cristão com o
suporte técnicocientífico inspirado na teoria social positivista, abrindo para a profissão o caminho do pensamento
conservador.
7 A saber, a primeira escola de Serviço Social não pode ser considerada como fruto de uma iniciativa exclusiva do
Movimento Católico Laico, por já existirem, neste período, uma demanda por parte do Estado. Com a criação, em
1935 do Departamento de Assistência Social do Estado, a demanda pela formação técnica especializada terá no
Estado seu setor mais dinâmico e este passará a regulamentála e incentivala, institucionalizando sua progressiva
transformação em profissão.
8 Segundo Abreu (1995, p. 186) “a formação de uma vontade coletiva nacionalpopular é atingida pela ofensiva
ideológica do capital direcionada para a reconstituição de sua hegemonia, que potencializa a captura da subjetividade
das classes subalternas à lógica do capital, ao mesmo tempo em que debilita a solidariedade no interior da classe e a
perspectiva classista da mesma, fertilizando o surgimento de uma vontade corporativa em prejuízo do fortalecimento
de uma vontade coletiva nacionalpopular, o que aponta, pois, uma tendência de fragilização das estratégias de
construção de uma pedagogia emancipatória das classes subalternas”.
9 Destacamos o trabalho de Netto, (1996), Moreira Alves (1987) entre outros.
10 A Lei de Segurança Nacional, promulgada em 4 de abril de 1935, definia crimes contra a ordem política e social.
Sua principal finalidade era transferir para uma legislação especial os crimes contra a segurança do Estado,
submetendoos a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias processuais. Nos anos seguintes à sua
promulgação foi aperfeiçoada pelo governo Vargas, tornandose cada vez mais rigorosa e detalhada. Após a queda
da ditadura do Estado Novo em 1945, a Lei de Segurança Nacional foi mantida nas Constituições brasileiras que se
sucederam. No período dos governos militares (19641985), o princípio de segurança nacional iria ganhar
importância com a formulação, pela Escola Superior de Guerra, da doutrina de segurança nacional. Setores e
entidades democráticas da sociedade brasileira, como a Ordem dos Advogados do Brasil, sempre se opuseram à sua
vigência, denunciandoa como um instrumento limitador das garantias individuais e do regime democrático (FGV–
CPDOC, disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos3037/ev_radpol_lsn.htm. Acesso em 12 de
junho de 2009).
11 O capítulo I do livro de Netto (1996) aprofunda sobre esta temática.
12 Recordemos que estava vigente a Doutrina de Segurança Nacional.
13 Destacamos que tratase de uma estratégia desenhada pelas Organização das Nações Unidas (ONU), que adquiriu
particularidades específicas em cada um dos países onde foi aplicada.
14 Netto entende por Serviço Social Tradicional: “a prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada dos
profissionais, parametrada por uma ‘ética liberalburguesa’, e cuja teleologia ‘consiste na correção desde um ponto
de vista claramente funcionalista de resultados psicosociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o
substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealistas e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a
ordenação capitalista da vida como um dado ineliminável” (NETTO, 1996, p.117118).
15 Aqui merecem destaque os esforços de um grupo de profissionais que, em Minas Gerais, formulam o método de
BH, que se constitui na mais significativa proposta crítica do Serviço Social elaborada nessa época no Brasil,
influenciando o setor mais crítico da profissão, sobretudo aqueles que se encontravam nas universidades.
16 Perry Anderson (1998) considera que o neoliberalismo constituiu um projeto econômicosocial e político
ideológico que nasceu logo da Segunda Guerra Mundial na Europa capitalista e na América do Norte, tendo como
uns dos seus principais expoentes a Friedrich Hayek, o qual somente conseguiu impor a meados da década de 1970,
momento em que entra em crise o modelo de acumulação, no Brasil este chegará posteriormente. Segundo Draibe
(1998) a instalação do neoliberalismo no Brasil, teve as seguintes características: não constitui um corpo teórico, ele
é uma ideologia com proposições práticas próximas do conservadorismo político e do darwinismo social. Propõe a
liberdade e a primazia do Mercado sobre o Estado assim como a primazia do individual por sobre o coletivo, em fim
tratase de um Estado Mínimo que só deve intervir quando o mercado ou até a sociedade civil não consegue das
respostas à questão social, sobretudo por meio de ações filantrópicas.
17 Nos estamos referindo a pesquisa denominada“ A questão da cultura como uma dimensão constitutiva da produção
de conhecimento e do exercício profissional do assistente social” , financiada pela UFJF e pelo CNPq através de
bolsas de iniciação cientifica, mapeamos a produção teórica acerca desta temática, principalmente na revista Serviço
Social e Sociedade no período de 2000 a 2005 e no XII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – CBAS de
2007. Foram analisados um total de 260 trabalhos, sendo 183 artigos da revista “Serviço Social e Sociedade” da
editora Cortez, e, 77 trabalhos publicados nos ANAIS do XIICBAS.
18 Ao respeito é ilustrativo a análise que faz Eduardo Grüner (2002) no livro El fin de las pequeñas historias. De los
estudios culturales al retorno (imposible) de lo trágico. Grüner faz uma crítica aos “estudos culturais”, já que
segundo o autor, se mostraram insuficiente para explicar a realidade social, mas sobre tudo perderam a idéia de
totalidade social. Fatos como o fatídico e condenável 11 de setembro, nos demonstram que não nos encontramos na
“pequena aldeia”, mas sim, num mundo global, que possui fronteiras concretas.
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